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LEONARDO ARROYO: O RETRATO DE UM INTELECTUAL CARTESIANO-DIONISÍACO / MARIA MORTATTI

O jornalista, escritor, poeta, ensaísta e historiador Leonardo Arroyo nasceu em 26 de fevereiro de 1918 na cidade de São José do Rio Preto – SP, onde estudou até o curso ginasial, concluído na cidade de Santos. Com 18 anos de idade, iniciou a carreira de jornalista em suplementos literários, convivendo com escritores, como Afonso Schmidt, Cassiano Nunes, Lygia Fagundes Telles. Em 1940, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas abandonou o curso para se dedicar ao jornalismo, como redator e colaborador do “Suplemento Literário” da Folha da Manhã/Folha de S. Paulo, onde trabalhou por mais de 30 anos. Em 1945, casou-se com Rosa Lampoglia, com quem teve dois filhos, Leonardo Arroyo Junior e Ana Cristina Arroyo. 

Nos anos 1940, iniciou-se também sua carreira de escritor, com a adaptação de contos clássicos da literatura infantil universal para a coleção Encantada, da Editora LEP, seguindo-se a publicação de mais de 800 textos, a maioria artigos em jornais e revistas, livros de literatura infantil e para adultos, além de história e crítica literária, capítulos de livros, prefácios/apresentações. Entre sua vasta e diversificada obra, encontra-se o livro Literatura infantil brasileira: ensaio de preliminares para a sua história e suas fontes (Melhoramentos, 1968). Fundamentado em farta bibliografia estrangeira e em abundância de documentos raros, reunidos pelo autor ao longo de décadas, esse clássico fundador da historiografia da literatura infantil brasileira é um manancial para estudos e pesquisas e referência obrigatória para escritores, professores e pesquisadores de diversos campos das ciências humanas. A segunda edição foi publicada em 1968, pela Melhoramentos, e, em 2011, foi lançada, pela Editora Unesp, a terceira edição, que prefaciei.

Participou de entidades, como Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Associação Brasileira de Folclore, “Irmandade da Delícia”, dirigida por Luís da Câmara Cascudo, e Academia Paulista de Letras, eleito em 1970 para a Cadeira 21, recepcionado por Osmar Pimentel e passando a ter como confrades ex-colegas da Faculdade de Direito, como Francisco Marins, Lygia Fagundes Telles, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rubens Teixeira Scavone, Célio Debes, Paulo Bomfim, José Altino Machado. Entre 1958 e 1967, integrou a Comissão Estadual de Cultura da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que, em 1959, criou a coleção Ensaio, na qual publicou dois livros seus: O tempo e o modo: literatura infantil e outras notas (1963) e Agravos do tempo (1976). Em 1967, viajou aos Estados Unidos da América do Norte, a convite do Departamento de Estado daquele país, onde permaneceu por dois meses em contato com universidades e instituições culturais, proferiu conferências em faculdades e na Universidade de Harvard. Entre 1968 e 1969, como diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, organizou a Casa de Cultura, fundou o Corpo de Baile do Teatro Municipal e a Orquestra Jovem Sinfônica Municipal. Em 1968, retomou a publicação da Revista do Arquivo Municipal e instituiu o curso de História dos Bairros de São Paulo. Nos anos 1980, ocupou outros cargos e funções, entre os quais: Conselheiro Consultivo e Fiscal da UBE – União Brasileira dos Escritores (1982), secretário do Centro Cultural Francisco Matarazzo Sobrinho (1984 – 1985), diretor da Revista do Arquivo Municipal e da Revista da Academia Paulista de Letras. Entre 1962 a 1985, frequentou a "Pensão Humaitá", confraria de amigos que se reuniam na residência do intelectual e historiador Yan (João Fernando) de Almeida Prado, na capital paulista, às terças, quintas e sábados, para tratar de assuntos culturais, políticos e vinhos. Entre os artistas, políticos e intelectuais da confraria, estavam Monteiro Lobato, Fernando de Azevedo, Assis Chateaubriand, René Thiolier, Prestes Maia, Alexandre Marcondes Filho, Octalles Marcondes Ferreira, João de Scatimburgo, Olintho Moura, Paulo Duarte, Francisco Matarazzo Sobrinho, José Tavares de Miranda, Marcelino de Carvalho. 

Em 1948, Arroyo recebeu o prêmio do jornal A Notícia, pelo conto “O passado”, seguindo-se cinco prêmios literários e três de jornalismo, entre eles: em 1949, Prêmio Fábio Prado (Sociedade Paulista de Escritores), com o livro de contos Viagem para Málaga; em 1985, com o livro A cultura popular em Grande sertão: veredas, o prêmio Melhor Ensaio de 1984 (Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA) e o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Estudos Literários (Câmara Brasileira do Livro); em 1961 e 1969, o Prêmio Jabuti de Imprensa (Câmara Brasileira do Livro). Em 1977, recebeu o título de Personalidade Musical (APCA), em reconhecimento por sua atuação como Diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo. Em 1972, foi indicado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil para integrar o júri do Prêmio Hans Christian Andersen do International Board Book for Young People (IBBY), na Dinamarca, o mais importante prêmio literário da literatura infantil e juvenil. Após a sua morte, o livro Arte da cozinha brasileira (Editora Unesp), de Leonardo Arroyo e Rosa Belluzo (que o revisou e complementou) recebeu o Prix Nationale na categoria Litterature Gastronomique, da Academia Internacional de Gastronomia. É Patrono da Cadeira 37 da Academia de Letras do Brasil (DF) e, desde 1986, da Escola de Educação Infantil “Leonardo Arroyo”, no distrito de Artur Alvim, na capital paulista. 

Em 1982, doou para o acervo da Academia Paulista de Letras sua biblioteca pessoal, acompanhada de um catálogo organizado por ele, com aproximadamente 3 mil títulos e uma carta em que justifica a doação: “Uma biblioteca como essa, formada ao longo de 40 anos, não criou raízes de propriedade. Pelo contrário, me deu, ao dispor-me a doá-la à Academia Paulista de Letras, nítida sensação de que eu era apenas o depositário de tais livros. [...] Se uma livraria reflete um espírito posso dizer que aí está um retrato de corpo inteiro: o retrato de um homem curioso que se habituou, desde que leu DESCARTES, a desconfiar sempre das autoridades. Sou um homem cartesiano, duvido sempre. E essa dúvida se reflete na livraria que é profundamente diversificada, mas na constante inquietação sobre o destino humano.” (Citado por Regina A. C. Sant’Ana, 2002) 

Leonardo Arroyo faleceu na capital paulista, em 13 de agosto de 1985, com 67 anos de idade, em decorrência de derrame cerebral e pneumonia. Em homenagem póstuma, o escritor e jornalista José Geraldo Nogueira Moutinho o descreve como um homem “dionisicamente apaixonado pela vida” e "fruto aprimorado das fases de ebulição espiritual.”

Sua obra e atuação profissional estão, há décadas, entre meus objetos de pesquisas historiográficas, publicações e trabalhos de pós-graduação que orientei – em especial a tese de doutorado de Vivianny Bessão Assis –, os quais sintetizo neste texto. A cada vez, porém, que retomo sua história, constato que ainda é imerecidamente pouco conhecido ou lembrado, considerando-se as diversificadas e intensas atividades e contribuições que, em seu tempo e a seu modo, protagonizou e registrou. Os frutos de sua constante inquietação sobre o destino humano são o retrato de corpo inteiro de um intelectual cuja obra vivida e escrita durante 50 anos, nos meados do século XX, é marcada pela fecunda convivência entre razão cartesiana e arrebatamento dionisíaco. Esse é o legado singular que, a exemplo de sua biblioteca, Leonardo Arroyo doou à cultura e à literatura brasileiras.

Maria Mortatti