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WANDER PIROLI, O PINTO DO MENINO E A PROFECIA DO EDITOR / MARIA MORTATTI

O escritor e jornalista mineiro Wander Piroli (1931 – 2006), de família operária de origem italiana, moradora do bairro da Lagoinha, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, cursou Direito e chegou a trabalhar como advogado, mas desistiu da profissão para se dedicar ao jornalismo. Trabalhou como repórter para veículos da imprensa e foi um dos fundadores do jornal Hoje em dia. Participou de concursos literários, venceu um deles em 1951 com "O Troco", seu conto de estreia. Publicou seu primeiro livro, A mãe e o filho da mãe, em 1966, seguido de outros seis, entre crônicas, contos e infantojuvenis, deixando 18 inéditos, que vêm sendo publicados após sua morte. 

Ficou conhecido por seus contos, em que trata, com realismo, de pessoas comuns e marginalizadas da capital mineira, tornando-se um dos símbolos do boom dos contistas nos anos 1970, e por seus livros destinados a crianças, em que inovou, tratando de temas realistas, do cotidiano, tornando-se símbolo também do boom da literatura infantil nos anos 1970, com então novos e fecundos escritores que se tornaram expoentes desse gênero literário. Seus livros para o público infantojuvenil mais conhecidos, com milhares de edições vendidas e ambos traduzidos para o idioma búlgaro, são O menino e o pinto do menino, de 1975, e Os rios morrem de sede, de 1976, vencedor de Prêmio Jabuti – Literatura infantil, em 1977, considerado um dos precursores de histórias com temas voltados à ecologia.    

Lançado em 1975 como primeiro volume da Coleção do Pinto, da Editora Comunicação, O menino e o pinto do menino marcou a estreia do autor no gênero infantojuvenil e foi um sucesso imediato, com mais de 30 edições até os dias atuais. O editor André Carvalho conta que o livro nasceu assim: “Wander tinha escrito um conto com esse nome, e me mostrou para ler. Fui tomado por uma forte emoção, me vieram lágrimas nos olhos. Eu já tinha a editora Comunicação e pedi a ele para publicar como livro infantil. ‘Você descobriu um novo filão’, disse a ele, que retrucou: ‘Você está doido, isso aqui tem ‘puta que pariu’, crítica à educação’. Mas topou e o livro saiu”. Segundo o editor, foram vendidos três mil exemplares em seis dias, só no Rio de Janeiro, depois de um editorial de Otto Lara Resende no programa Fantástico, da Rede Globo.

Com ilustrações de Jarbas Juarez, o livro foi inovador e polêmico para a época – considerando a tradição de livros do gênero infantojuvenil – tanto pelo conteúdo e ilustrações quanto pelo título (característico do estilo do autor) e a imagem da capa, chocantes (para alguns) e antológicos (para outros). A ambiguidade do sentido da palavra “pinto” é reforçada na capa com a imagem de um menino enorme em primeiro plano, no meio da cena, de costas, sem calças, vestindo apenas uma camiseta decotada com cores evocando as de um pintinho, destacando-se num cenário cinzento de prédios amontoados. Para alguns, como eu, chamava a atenção o fato de ter sido publicado, sem censura, durante a ditadura militar no Brasil (1964 – 1985). Para sorte da literatura brasileira! Desde os anos 1980, esse livro ocupa lugar de destaque em minha biblioteca de professora e pesquisadora.

A tocante história do menino Bumba e o pintinho que ele ganhou da professora no Dia das Crianças é narrada, de forma simples e contundente. A mãe não gostou da ideia, mas o menino o levou para casa e se preocupou em arrumar uma casinha, para aquecê-lo e dar-lhe comida. Nem percebeu que o bichinho estava morrendo. Os pais, então, tiveram de lidar com a tristeza de contar a verdade a Bumba. As ilustrações no miolo, apesar de realistas, são muito sugestivas também, contribuindo para interpretação de sentidos como metáfora da morte do filhote de galinha e da dificuldade dos pais em contar a verdade, sugerindo momento de passagem para a vida adulta, por meio do sentimento de perda e luto.

Nos últimos anos, Piroli vem sendo relembrado e homenageado, confirmando-se a importância de sua obra e a “profecia” do editor sobre O menino e o pinto do menino, a descoberta de "um filão", que se tornou um marco na história da literatura infantojuvenil brasileira. Como conta Fabrício Marques, no livro Wander Piroli: uma manada de búfalos dentro do peito (Conceito, 2018), o escritor era visto por seus contemporâneos como um Hemingway brasileiro e dizia ter relação descompromissada com a literatura: “Pescar é mais importante que escrever. Escrever faz mal para a saúde. Não conheço uma só pessoa que se tenha tornado melhor com a literatura; geralmente, piora.” Seu legado, porém, obriga-nos a contra-argumentar: seus livros continuam pescando leitores – crianças, jovens e adultos – e fazendo muito bem para a saúde literária brasileira.

Maria Mortatti