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GABRIELA MISTRAL, POETA E EDUCADORA, A PRIMEIRA LATINO-AMERICANA NOBEL DE LITERATURA / MARIA MORTATTI

A poeta, educadora e diplomata Gabriela Mistral – pseudônimo literário de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga – nasceu em Vicuña, no Chile, em 07.04.1889, e faleceu em Nova Iorque, EUA, no dia 10.01.1957, com 67 anos de idade. Foi a primeira mulher e a primeira pessoa latino-americana laureada com o Prêmio Nobel de Literatura (1945). Em 1951, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura do Chile e, em 1954, o título de Doctor Honoris Causa da Universidade do Chile. Sua obra está traduzida em mais de 20 idiomas.

De origem humilde e infância difícil, era filha de Juán Gerônimo, descendente de judeus, espanhóis e índios, professor e poeta amador que abandonou a família quando ela tinha três anos de idade, e de Petronila Alcayaga, costureira. Lucila/Gabriela foi alfabetizada pela meia-irmã mais velha, Emelina, também professora. Em 1908, passou a trabalhar como professora autodidata e, em 1910, recebeu o título de Professora de Estado, pela Escola Normal de Santiago, tendo trabalhado também como inspetora e diretora de ensino.

Estreou como poeta em 1914, com 25 anos idade, quando participou dos Jogos Florales de Santiago, e foi a vencedora com Sonetos de la muerte. Esses poemas foram escritos depois do suicídio de seu namorado, Romelio Ureta, e assinados com o pseudônimo que ela criou, com partes dos nomes de dois escritores que admirava: o poeta italiano Gabriele D’Annunzio (1863 – 1938) e o escritor francês-provençal Frédéric Mistral (1830 – 1914). Os três sonetos foram incorporados ao livro Desolación, de 1922, ano em que, a convite do ministro da educação do México, José Vasconcelos, Mistral trabalhou por quase dois anos na reforma educacional daquele país, fundando escolas rurais e bibliotecas públicas. Nos quatro anos seguintes, além da publicação de Lectura para mujeres (1923) e Ternura (1924), realizou viagens entre Chile e Argentina, trabalhou em Genebra, Suíça, como secretária de uma das seções da Liga das Nações, colaborou com revista colombiana, representou seu país em congresso universitário em Madri, proferiu conferência nos EUA, participou em Buenos Aires da I Convenção Internacional de Professores, onde apresentou sua declaração dos Derechos del Niño (Direitos da criança). 

Em 1929, sofreu a segunda grande perda com o falecimento de sua mãe, a quem dedicou o poema "A mulher forte". No ano seguinte, já poeta aclamada, começou a exercer a carreira diplomática em países da Europa, no México, nos EUA. Com o agravamento da Segunda Guerra Mundial, solicitou ao governo chileno e foi transferida para o Brasil. Em 1937, esteve na capital paulista e, em 1939, foi nomeada consulesa geral do Chile, passando a morar no Rio de Janeiro, período em que conviveu com intelectuais e artistas brasileiros. Tornou-se amiga da poeta Cecília Meireles – juntas, lançaram um livro de poemas, Cecília a descreveu como “uma espécie de missionária lírica” e sobre ela escreveu em jornais cariocas –; dos poetas Manuel Bandeira – que em 1945 traduziu para o português dois sonetos dela:  “O Pensador de Rodin” e “Primeiro soneto da morte” –; Jorge de Lima e Vinícius de Moraes, seu preferido; e do jornalista Assis Chateaubriand. Conheceu também, por intermédio de Cecília Meireles, o poeta e polímata Mário de Andrade, que sobre ela comentou: “É a inteligência feminina mais exata, mais sincera que jamais conheci (...) Tendo como ninguém o instinto de ensinar, acostumada a ensinar por hábitos passados, em pouco tempo nós parecíamos, a seu lado, umas crianças.” Mistral morou inicialmente na cidade de Niterói/RJ e depois em Petrópolis, na região serrana fluminense, onde vivia com Yin-Yin (Juan Miguel Godoy Menüonza), seu filho adotivo ou sobrinho ou filho biológico  (informações não esclarecidas), e Consuelo Saleva, que a acompanhava como amiga e secretária. Em 14 de agosto de 1943, o jovem de 18 anos de idade cometeu suicídio, ingerindo dose letal de arsênico, por motivos também não esclarecidos. Consternada, quase demente, Mistral exclamou: “Por tercera vez he sido herida por el rayo”/("Pela terceira vez fui atingida por um raio”). Próximos a sua casa, moravam o ilustre escritor judeu-austríaco Stefan Zweig e sua esposa Lotte (Charlotte Elizabeth Altmann), que, também por causa da Segunda Guerra Mundial e do avanço das tropas de Hitler na Europa Ocidental, exilaram-se nos EUA e, por fim, em 1941 se estabeleceram em Petrópolis. Gabriela e o casal se tornaram amigos, e ela ficou abalada quando, em 22 de fevereiro de 1942, ambos cometeram suicídio, deixando a dúvida sobre o verdadeiro motivo desse trágico acontecimento. 

Nesse período, Mistral também colaborou com o Jornal do Brasil e consolidou relações de amizade. Em 1943, a convite da poeta Henriqueta Lisboa (1901 – 1985), esteve em Belo Horizonte – MG, onde proferiu duas conferências: uma sobre o Chile e a outra sobre O menino poeta, da mineira, a qual traduziu e organizou a coletânea Poemas escolhidos (1969), de Mistral. E foi em Petrópolis que, estando Cecília Meireles ao seu lado, a poeta chilena recebeu a notícia que tinha sido laureada com o Prêmio Nobel de Literatura. Conta o historiador Joaquim Eloy dos Santos que o então Presidente da República Getúlio Vargas mandou voltar um navio que estava saindo com destino a Europa para que Mistral conseguisse chegar a Estocolmo em tempo de participar da cerimônia de premiação. Em 1953, foi nomeada delegada da Assembleia Geral das Nações Unidas e consulesa em Nova Iorque, EUA, onde faleceu em 1957, em decorrência de câncer de pâncreas.

Em mais de 40 anos de produção escrita, Mistral publicou mais de quinhentos textos, entre livros, textos em jornais e revistas, e deixou manuscritos inéditos. Além dos livros citados, publicou Nubes Blancas y Breve Descripción de Chile (1934); Tala (1938 – dedicado às crianças vítimas da Guerra Civil espanhola); Antología (1941); Lagar (1954); Recados contando a Chile (1957); Poema de Chile (1967 – póstumo).  Sua obra é marcada pelo engajamento com causas políticas, sociais e educacionais. Trata de temas como a luta pela justiça social, a posse da terra, os direitos dos marginalizados, a cultura popular, a mestiçagem (posições polêmicas), a americanidade, as relações com a natureza, a religiosidade, a luta das mulheres pela igualdade de direitos trabalhistas e civis, incluindo a educação e os direitos das artistas. Lutava não só pela educação das meninas da área rural, mas também pela criação de bibliotecas em regiões distantes dos centros urbanos. São sobretudo vigorosos seus textos sobre educação e bibliotecas, em que aborda o papel dos livros e da leitura para crianças e adultos no desenvolvimento das pessoas e das nações, e, em especial, sobre a infância, temática sempre presente em sua obra, com destaque para a poesia infantil. Mistral não defendeu claramente posições ideológicas, mas pode ser considerada uma humanista e forte defensora dos direitos das mulheres contra os valores patriarcais. Também não tratou diretamente da questão da homossexualidade, revelada por Doris Dana, tradutora norte-americana e parceira de Mistral, que, após a morte da poeta e educadora, passou a cuidar de sua obra e divulgá-la. 

Ainda pouco conhecida no Brasil, a menina de origem humilde que se tornou consagrada mundialmente é uma das poetas e educadoras mais importantes do século XX e um dos nomes mais importantes da literatura chilena, ao lado de Pablo Neruda (1904 – 1973), o segundo chileno laureado com o Nobel de Literatura (1971). E Gabriela Mistral nos dá sua obra como “se dá um filho: tirando sangue de teu coração”, o forte e comovente mandamento do “Decálogo do artista”, que a primeira Nobel de Literatura escreveu e cumpriu. 

Maria Mortatti