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PADARIA ESPIRITUAL: CAQUEXIA PECUNIÁRIA NA FORTALEZA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO / JOÃO SCORTECCI

Fortaleza é qualidade ou caráter de pessoas fortes. Em sentido figurado, significa: força moral e firmeza. A minha – engenharia de corpo e alma – atende pelo nome de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e fica na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Outro dia andei por lá, beijando suas raízes e abraçando sua história. Os canhões de ferro ainda estão por lá. Lanças de fogo apontadas para o mar e o tempo, no alto do monte Marajaitiba. O riacho Pajeú – aquele da minha infância dos anos 1960 – saiu de cena e não mais banha a margem esquerda da fortificação. Secou ou foi canalizado. No meu cenário de lembranças, o Pajeú ainda guarda, escondido na toca, o mussum preto e o peixe cará. A Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção hoje abriga a sede da 10ª. Região Militar do Exército Brasileiro. Sua construção data de 1649, pelos holandeses, que lhe deram o nome de Forte Schoonemborch – em homenagem ao governador neerlandês da província de Pernambuco – e, depois, em 1654, foi retomado pelos portugueses, comandados pelo Capitão-Mor Álvaro de Azevedo Barreto. Embora Fortaleza tenha se expandido a partir da fortificação, o seu marco zero da cidade fica na Barra do Ceará, na boca do Rio Ceará, ocupada pelos holandeses em 1603. Quando olho a cidade, vejo o Farol do Mucuripe – os olhos do mar –, o Theatro José de Alencar – belíssimo – e a Praça do Ferreira, referência ao Boticário Ferreira, que, em 1871, quando era presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, urbanizou o espaço localizado no coração da cidade. Foi na Praça do Ferreira – em 30 de maio de 1892 – que nasceu a Padaria Espiritual, agremiação cultural que reuniu escritores, pintores e músicos. O objetivo de seus idealizadores – capitaneados pelo poeta e romancista Antônio Sales (1868 – 1940) – era despertar, na sociedade, o gosto pela arte. Foi Antônio Sales quem redigiu seu "Programa de instalação" – em que protestavam contra a burguesia, o clero, a polícia e tudo que fosse tradicional – e foi também um dos principais responsáveis pela publicação do jornal da agremiação, O Pão, tabloide de oito páginas. Na Praça do Ferreira, na época, existiam quatro quiosques, abrigando cafés e restaurantes. O Café Elegante, na esquina sudeste; o Restaurante Iracema, na esquina sudoeste; o Café do Comércio, na esquina noroeste; e o Café Java – funcionava também como padaria –, de propriedade de Mané Coco, e ponto de encontro das reuniões da agremiação. Além de Antônio Sales, nomes importantes da cultura cearense participaram do movimento: Lopes Filho, Lívio Barreto, Álvaro Martins, Ulisses Bezerra, Adolfo Caminha, Temístocles Machado, Tibúrcio de Freitas, Rodolfo Teófilo, José Carlos Júnior e Antônio de Castro, entre outros. De 1892 a 1896, a Padaria Espiritual publicou 36 números de O Pão. O jornal faliu de “caquexia pecuniária”, segundo seu próprio fundador, Antônio Sales. O "Programa de Instalação" não permitia que se usassem, em quaisquer publicações, palavras estrangeiras numa postura radicalmente nacionalista. A importância do movimento se deu pelo fato de ele haver proporcionado, no Ceará, a consolidação do Realismo e o nascimento do Simbolismo e ter prenunciado – conforme alguns historiadores – as marcas do movimento modernista iniciado em São Paulo, em 1922.

João Scortecci