Pesquisar

PETER PAN E WENDY, DE J. M. BARRIE: “DOIS É O COMEÇO DO FIM” / MARIA MORTATTI

“Todas as crianças, exceto uma, crescem. Elas logo descobrem que vão crescer, e a maneira como Wendy descobriu foi esta. (...) dali em diante Wendy soube que teria de crescer. Você sempre sabe depois que tem dois anos. Dois é o começo do fim.” (tradução livre) Com essa beleza misteriosamente simples, na exata medida da brevidade poética, como um resumo da vida humana, inicia-se o capítulo 1, “Surge Peter”, do romance Peter Pan and Wendy (1911), do escritor e dramaturgo britânico-escocês, James Matthew Barrie (09.05.1860 – 19.06.1937). Peter Pan, o menino que se recusa a crescer, e Wendy Darling, a menina que gosta de brincar de ser adulta, são os protagonistas da história que contém um fantástico mundo criado pela imaginação: a Terra do Nunca, crianças que voam, piratas sanguinários, o Capitão Gancho, a fada Sininho e, acima de todos, o encantador menino arrogante, com seus eternos dentes de leite.

O autor era o nono dos 10 filhos de David Barrie, operário da indústria de tecido, e Margaret Ogilvy, filha de um pedreiro. Segundo seus biógrafos, dois fatos marcaram a vida de Barrie e se tornaram inspiração para os personagens Peter e Wendy: o trágico acidente que causou a morte, aos 13 anos de idade, de David, seu irmão mais velho; e a relação que se estabeleceu entre Barrie e a mãe. Consolando-se mutuamente e lembrando do menino que nunca poderia crescer, ela lhe contava histórias de sua infância quando, após ficar órfã, tornou-se “dona de casa e mãe de seu irmãozinho”. Inspirou-se também nas histórias de aventuras que gostava de ler na infância, como as de R. M. Ballantyne, Robert Louis Stevenson e James Fenimore Cooper. Fascinado com essas histórias, Barrie decidiu se tornar escritor. Em 1894, casou-se com a atriz Mary Ansell, Em 1885, depois de se graduar na Edimburg University, mudou-se para Londres, trabalhou como freelancer e, em 1888, publicou Auld Licht Idylls, um retrato da vida escocesa, baseado nas histórias contadas pela mãe. Em 1891, publicou o romance popular The Little Minister, que se tornou um imenso sucesso e por três vezes foi adaptado para o cinema. O personagem Peter Pan foi introduzido no romance The Little White Bird, or Adventures in Kensington Gardens (O passarinho branco ou aventuras nos jardins de Kensington), de 1902; em 1904, a peça de teatro Peter Pan or the boy who wouldn't grow (Peter Pan ou o menino que não iria crescer) estreou em Londres; e, em 1906, Barrie publicou o romance Peter Pan in Kensington Gardens (Peter Pan nos jardins de Kensington). A versão impressa definitiva do romance Peter Pan e Wendy foi publicada em 1911. Esse personagem foi sendo construído à medida que se intensificava o relacionamento de Barrie com Sylvia Llewelyn Davies e seus cinco filhos, aos quais dedicava seus afetos, contando-lhe histórias. Barrie e a esposa Mary Ansell não tiveram filhos – contam seus biógrafos que ele era impotente – e se divorciaram em 1909. Com a morte de Arthur, marido de Sylvia, Barrie desejava pedi-la em casamento, mas pouco tempo depois ela morreu de câncer – como o marido –, e o escritor passou a cuidar dos meninos, conforme prometera a Sylvia.

Sir J. M. Barrie foi homenageado com o título de Barão, reconhecimento raro para um escritor, e, em 1922, foi condecorado com a Ordem do Mérito. Em 1930, doou ao hospital infantil de Great Ormond Street, em Londres, os direitos autorais de cada nova edição do livro, de cada apresentação da peça e de todos os filmes e produções para a TV. Impôs apenas uma condição: que o hospital nunca revelasse a quantia em dinheiro relativa aos royalties. Como resultado de seus romances e peças, Barrie era um dos homens mais famosos de sua época, com amizades entre artistas e escritores. Quando, em uma viagem a Londres em 1921, perguntaram a Charles Chaplin quem ele gostaria de encontrar, respondeu: J. M. Barrie. O criador do menino que se recusava a crescer continuou escrevendo até o final da vida. Morreu de pneumonia, com 77 anos de idade, e foi sepultado no Cemitério Kirriemuir, na Escócia. No centro de Londres, há uma estátua de Peter Pan, em que, durante seu funeral, crianças depositaram flores. Desde o século XX, seus romances e peças, em especial os de Peter Pan, vêm sendo adaptados para cinema, teatro e livros infantis. A mais conhecida adaptação de Peter Pan e Wendy para o cinema é o desenho animado produzido pelos estúdios Disney e lançado em 1953 com grande sucesso, tendo contribuído para a popularização do enredo e da caracterização dos personagens. Confirmando a atualidade da obra, a Disney lançou em 2023 uma versão live-action da animação de 1953, com “adaptação das melhores partes” e “reescrevendo” trechos “problemáticos” nos tempos atuais, como o estereótipo racista da personagem indígena Tiger Lily. 

"Todas as crianças, exceto uma, crescem", como prenunciou a sra. Darling na simples e misteriosamente bela introdução de Peter Pan e Wendy: “(...) Um dia, quando (Wendy) tinha dois anos, ela estava brincando no jardim e, depois de colher mais uma flor, correu para junto de sua mãe. Acho que ela devia estar linda, pois a sra. Darling levou a mão ao coração e exclamou: ‘Ah, se você ficasse assim para sempre!’. Foi tudo o que se passou entre elas (...).” (tradução livre) Assim Wendy descobriu que dois era começo do fim da infância. No epílogo do romance, Peter a encontra como adulta que não conseguia voar. Mas o centenário Peter Pan, o encantador menino arrogante, com seus eternos dentes de leite, continuará voando na imaginação de crianças e adultos, para sempre. 

Maria Mortatti