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JOSÉ DE ALENCAR: DO FOLHETIM AO LIVRO, UM INTÉRPRETE DO BRASIL / MARIA MORTATTI

Celebrado como o “patriarca da literatura brasileira”, o mais importante escritor do Romantismo no Brasil e o fundador do romance brasileiro e da literatura de temática nacional, José Martiniano de Alencar (1º..05.1829 – 12.12.1877), cearense de Messejana, foi advogado, jornalista, folhetinista, romancista, dramaturgo, político, orador. Faleceu de tuberculose, aos 48 anos de idade, no Rio de Janeiro, capital do Império. Vinte anos depois, foi escolhido por Machado de Assis para patrono da cadeira n. 23, da Academia Brasileira de Letras. Contemporaneamente, comemora-se no dia de seu nascimento, 1º. de maio, o Dia da Literatura Brasileira, além de muitas outras homenagens, como teatro, praças e estátuas, nas cidades do Rio de Janeiro e Fortaleza/CE. Esse intérprete do Brasil explorou novas possibilidades de temas e formas literárias, criando obra original e variada, traduzida para idiomas como, francês, inglês, alemão, italiano, tornando-se um dos escritores brasileiros mais populares. Com milhares de edições até os dias atuais e também disponível em domínio público, sua obra é referência obrigatória para estudantes e para estudiosos da literatura, formando leitores de geração em geração e constituindo considerável fortuna crítica. 

Por meio da autobiografia Como e por que sou romancista (1873) e das biografias disponíveis em livros didáticos, trabalhos acadêmicos, sites de instituições literárias, entre tantos outros, sabe-se, em resumo, que era filho de José Martiniano de Alencar e Ana Josefina de Alencar e neto de D. Bárbara de Alencar, heroína da revolução pernambucana de 1817. Na infância, lia romances para mãe e tias e viajou com os pais pelo interior da Bahia. Transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro e cursou Direito na Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, época em que leu romances clássicos franceses, tendo se formado em 1850. De volta ao Rio de Janeiro, passou a exercer a advocacia e, em 1851, passou a colaborar no Correio Mercantil e a escrever folhetins para o Jornal do Comércio. Foi também redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro, em 1855. Filiado ao Partido Conservador, foi eleito várias vezes deputado geral pelo Ceará; de 1868 a 1870, foi Ministro da Justiça. Candidatou-se a senador, mas não foi escolhido pelo Imperador D. Pedro II; acolheu o pensamento liberal e passou a se dedicar à literatura, produzindo, organizando, revisando e publicando sua obra pela editora de Baptiste Louis Garnier, após contrato de publicação firmado por volta de 1870.

Uma de suas atividades menos conhecidas do público leitor é a de folhetinista, que o jovem Alencar iniciou logo após formado em Direito e simultaneamente à da advocacia. Originado na França, o folhetim (feuilleton) designava a seção no rodapé de jornal, na qual se publicavam conteúdos diversos, como charadas, anedotas, charges, versos, crítica política ou literária, crônicas etc. Expandiu-se para a publicação seriada de romances, por volta de 1836, quando o jornal La Press, de Émile Girardin, passou a publicar alguns romances, em capítulos, com finalidade de ampliar alcance e interesse do público e, assim, ampliar rendimentos em publicidade. Um dos gêneros mais populares do século XIX, com linguagem acessível, enredo sentimental, elementos de suspense, ganchos em finais de capítulos, o folhetim costumava ser lido nos serões de família, a exemplo do que ocorria com a leitura de romances românticos, depois gradativamente substituídos pelas radionovelas, pelas telenovelas e, atualmente, também pelas séries em canais de streaming, por exemplo, considerando ainda a publicação, nas décadas de 1940/1950, dos romances-folhetins de Nelson Rodrigues, assinados com os pseudônimos femininos Suzana Flag e Myrna. No século XIX, o folhetim foi difundido em outros países e também no Brasil, inicialmente com publicação de traduções de folhetins franceses e depois com publicações originais de brasileiros, como A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1844), o de maior sucesso de público e de vendas. Aos poucos, os escritores brasileiros publicaram seus romances em folhetins para depois serem editados em livros, como José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antônio de Almeida, Lima Barreto. 

Alencar se destacou nessa então nova atividade jornalístico-literária, que, na falta de definição precisa, tematizou de modo precursor, no contexto político cultural de meados do século XIX, em que era comum homens, principalmente, e bacharéis realizarem, simultaneamente, atividades políticas, jornalísticas e literárias. E, também como era comum na imprensa brasileira da época, Alencar assinava seus escritos com pseudônimos: AC; Senio; G.M.; Erasmo; J. de Al; Job; Um Asno; Ig; Serio. Seus textos, a partir de 1851, no Correio Mercantil e no Jornal do Comércio, Alencar os reuniu e publicou, em 1874, sob o título de Ao correr da pena, título também de seu folhetim. Na tentativa de definir seu ofício, logo na primeira crônica Alencar compara o escritor a “uma espécie de colibri a esvoaçar em zigue-zague, e a sugar, como o mel das flores, a graça, o sal e o espírito que deve necessariamente descobrir no fato o mais comezinho!” E assim explica o título de seu folhetim: "aquilo que se escreve ao correr da pena, deve ser lido ao correr dos olhos”, e, entre o útil e o agradável – o “monstro horaciano” –, deve se utilizar linguagem clara e acessível e forma breve e leve para tratar de assuntos diversos. A metáfora do colibri foi utilizada depois pelo cronista Machado de Assis, admirador do escritor romântico. Dessa atividade do folhetinista derivou a do romancista, com a publicação de dois romances-folhetins seguidos, ambos publicados em livro em 1857. Em dezembro de 1856, no Diário do Rio de Janeiro, Alencar publicou, em dez capítulos, a história Cinco Minutos, sua estreia como romancista e, no ano seguinte, iniciou a narrativa de O Guarany, o primeiro romance brasileiro e a revelação do escritor para o público e para si mesmo, nas palavras de seu filho, Mário de Alencar. Ainda que não imediatamente, esse romance conferiu notoriedade ao escritor, servindo de inspiração para a composição da ópera O Guarany (1870), de Carlos Gomes. Alencar continuou escrevendo romances indianistas, urbanos, regionalistas, históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios, polêmicas literárias, escritos políticos, estudos filológicos, cartas, prefácios. E, mesmo depois de famoso, continuou a publicar romances primeiramente em folhetim, depois em livro.

Apesar das muitas dificuldades que enfrentou durante o ano de 1873, em especial o diagnóstico de tuberculose pulmonar, continuou participando de algumas atividades políticas e se dedicou a redigir, em forma de carta, a autobiografia Como e por que sou romancista; publicou quatro obras literárias pela editora de Baptiste Louis Garnier: Alfarrábios (crônicas dos tempos coloniais), em dois volumes; e revisou e publicou o primeiro tomo de A guerra dos mascates. Trabalhador incansável, em duas décadas, por meio da criação de obra original, protagonizou capítulo decisivo da história do jornalismo de folhetim, do livro, da literatura, da língua e da cultura brasileiras. E, como intérprete do Brasil, contribuiu para a construção de uma identidade nacional, como escreveu em seu "testamento literário": “o escritor verdadeiramente nacional acha na civilização de sua pátria, e na história já criada pelo povo, os elementos não só da ideia, como da linguagem que a deve exprimir.” 

Maria Mortatti