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EUGENIO MONTALE, O POETA DA “SÍLABA TORCIDA E SECA” / MARIA MORTATTI

Nessuno scriverebbe versi se il problema della poesia fosse quello di farsi capire. Il problema è di far capire quel quid al quale le parole da sole non arrivano. Ciò non accade solo ai poeti reputati oscuri” “Ninguém escreveria em versos, se o problema da poesia consistisse em se fazer entender. O problema é fazer com que as pessoas entendam aquilo que as palavras sozinhas não alcançam. Isso não acontece apenas com poetas supostamente obscuros”, afirmava, em carta de 1945, o poeta, jornalista e tradutor italiano Eugenio Montale (12.10.1896 – 12.09.1981), um dos expoentes, com Giuseppe Ungaretti e Salvatore Quasimodo, da moderna poesia hermética italiana, corrente literária caracterizada por linguagem intencionalmente enigmática e alusiva, em que o verso enxuto é trabalhado como objeto e materialidade da linguagem, e é inspirada na obra dos simbolistas franceses como Mallarmé, Verlaine, Rimbaud, Valéry. Agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura – 1975, "por sua poesia distintiva que, com grande sensibilidade artística, interpretou os valores humanos sob o signo de uma visão da vida sem ilusões", inspirando-se também no vocabulário e estilo do poeta florentino Dante Alighieri (1265 – 1312), Montale cria seu estilo moderno, tomando como argumento central de sua poesia a condição humana em si e acolhendo questões essenciais do século XX, especialmente dos períodos de horror e destruição em que viveu, marcados pelas duas grandes guerras mundiais. Em seu primeiro livro de poemas, Ossi di sépia (Ossos de sépia), de 1925, escreveu: “Non domandarci la formula che mondi possa aprirti/sì qualche storta sillaba e secca come un ramo./Codesto solo oggi possiamo dirti,/ciò che non siamo, ciò che non vogliamo.” (Não nos peça a fórmula que os mundos te podem abrir/e sim alguma sílaba torta e seca como um ramo./Hoje só isto podemos dizer-te,/o que não somos, o que não queremos.” 

Nascido em Gênova, de família abastada, Montale estudou canto com o barítono Ernesto Sivori, aspirando a se tornar solista de ópera. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, alistou-se no Exército, e, após seu retorno à cidade natal, com a morte do barítono, decidiu se dedicar à poesia. No início dos anos 1920, conheceu poetas e escritores da região da Ligúria e, em 1922, publicou algumas de suas composições na revista Primo Tempo. Em 1925, assinou o manifesto dos intelectuais antifascistas e publicou o livro de poemas Ossi di sépia, que obteve sucesso imediato e se tornou um clássico da poesia italiana moderna. Em 1927, mudou-se para Florença, trabalhou para a editora R. Bemporad & Filho e iniciou o duradouro relacionamento com a escritora milanesa Drusilla Tanzi (1885 – 1963), esposa do crítico literário Matteo Marangoni. Em 1929, Montale foi nomeado diretor do Gabinetto Scientifico Letterario G. P. Vieusseux, passou a colaborar em revista e alguns de seus poemas foram traduzidos para o inglês por T.S. Eliot. Dez anos depois, por ter se recusado a se aliar a Mussolini e assinar lista de inscrição no partido fascista, foi demitido do Gabinetto e iniciou colaboração no jornal Corriera della Sera, além de em revistas e da atuação como tradutor de Cervantes, Shakespeare, Mark Twain, Faulkner, Eliot, dentre outros. Nesse período, abrigou escritores perseguidos pelo nazifascismo e também publicou os livros de poesia Occasioni (1939) e Finisterre (1943). Seguiram-se os livros Intenzione (Intervista immaginaria) (1946), La bufera e altro (1956), uma compilação de poemas em que aborda suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial, e Auto da fé (1966). No ano seguinte, foi nomeado membro vitalício do Senado italiano pelo Partido Republicano e continuou publicando seus livros: Satura (1971), Diario del'71 e del'72 (1973) e Quaderno ni quattro anni (1977). Há também duas publicações póstumas Altri versi (1980) e Diario postumo (1996). Embora haja dúvidas sobre a autenticidade da autoria desse Diario – que causou um "tsunami", talvez a mais ácida polêmica do fim do século XX, quando publicado na Itália, em 1996 –, trata-se de um “caso curioso de imortalidade premeditada”, nas palavras de Ivo Barroso, tradutor da edição brasileira (Record, 2000). O Diário é dedicado à poetisa italiana Annalisa Cima (1941 – 2019), última musa de Montale e sua herdeira testamentária, a quem ele confiou “um engenhoso cronograma de publicação póstuma de seus poemas mais íntimos, criados entre 1969 e 1979 e até então inéditos. Um jogo que garantiria a ele presença no mercado editorial por muitos anos após a sua morte.” 

Profundamente engajado nas questões de seu tempo e consagrado já em vida, Montale continua presente em seus herméticos versos, materialização linguística do conflito humano entre eras que findam e, ao mesmo tempo, anunciam o novo, como registrou, de forma torcida e seca, no poema “No ano dois mil”, de Diário Póstumo: “Ficamos indecisos entre/exaltação e medo/ante a notícia de que o computador/irá substituir a pena do poeta./De minha parte, não sabendo/usá-lo, me contentei com os arquivos/que se referiram às recordações/para depois reuni-los ao acaso./E agora que me importa/se a inspiração definha/se comigo uma era está findando."

Maria Mortatti