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WISŁAWA SZYMBORSKA, O QUE É A POESIA? / MARIA MORTATTI

Dizem que a primeira frase de qualquer discurso é sempre a mais difícil. Ufa! Essa eu já escrevi, ou melhor, ela já assoprou para mim. Mas tenho a sensação de que as próximas frases, até a última linha – serão igualmente difíceis, já que eu devo falar de uma poeta polonesa que conheci por alguns poemas há cerca de duas décadas e só mais recentemente pude ler em alguns de seus livros em português. É por isso que meu texto será bem curto. E construído em enviesado itálico sobre palavras dela – com sua licença, poeta! A imperfeição é mais fácil de tolerar em pequenas doses. E a imitação é mais fácil de ser perdoada, se confessada logo de início: Qualquer que seja a inspiração, ela nasce de um contínuo “eu não sei”. E foi por não saber quase nada que, buscando poemas e informações sobre ela, nasceu a inspiração para este texto à moda – dela, também – de cartão-postal, elaborado com a técnica de colagem de trechos de seu discurso quando premiada com o Nobel, de poemas e outros textos seus traduzidos no Brasil por Regina Przybycien, de estudos, resenhas e comentários sobre sua obra e sobre sua biografia escrita pelas jornalistas polonesas Anna Bikont e Joanna Szczęsna, traduzida por Eneida Favre.

A poeta polonesa Wisława Szymborska (02.06.1923 – 01.02.2012), também ensaísta e tradutora, especialmente da literatura francesa, foi agraciada com o Prêmio Herder, em 1995, o  Prêmio Goethe, em 1991, e o Nobel de Literatura, em 1996, "pela poesia que com precisão irônica permite que o contexto histórico e biológico venha à tona em fragmentos da realidade humana." Sua obra poética não é extensa, contando atualmente com 13 livros e algumas centenas de poemas, e eram pouco conhecidos fora de seu país os nove livros que tinha publicado quando foi agraciada com o Nobel e passou a ser traduzida em mais de 30 idiomas, entre as línguas europeias, inglês, russo, chinês, hebraico e árabe. No Brasil, até os anos 2010, encontravam-se traduções de poemas esparsos – como as de Ana Cristina César, de 1984, e as publicadas em trabalhos acadêmicos e revistas literárias, principalmente após o Nobel.

[Nascida em cidade de Kórnik, aos oito anos de idade se mudou com a família para Cracóvia, onde viveu até morrer, durante o sono, com 88 anos de idade, em decorrência de câncer de pulmão. Escreveu os primeiros versos incentivada pelo pai – administrador das propriedades de um conde –, que comprava alguns de seus versos por 20 centavos, desde que fossem engraçados, o que marcou o estilo da poeta. Parte de seus estudos se deu em escolas “clandestinas” durante a ocupação alemã na Polônia, na Segunda Guerra Mundial. Nesse período, para não ser enviada para campo de trabalho na Alemanha, empregou-se em escritório de uma ferrovia, ilustrou um livro didático de Inglês e começou a escrever poemas e contos. Com o fim da guerra e o domínio soviético na Polônia, ingressou, em 1945, no curso de Filologia da Universidade de Jagiellonian, depois mudou para Sociologia e, lá, começou a participar de grupos literários, conheceu e foi influenciada pelo poeta e escritor Czesław Miłosz (1911 – 2004) e naquele ano publicou seu primeiro poema, em jornal. Em 1948, abandonou a universidade por falta de dinheiro e se casou com o poeta Adam Wlodek – divorciaram-se em 1954 e não tiveram filhos. O casal passou a viver em uma residência literária, com outros escritores, compartilhando interesses intelectuais e literários, embora também sob a vigilância do regime comunista. O amor de sua vida foi o poeta, contista e roteirista Kornel Filipowicz (1913 – 1990), com quem não se casou, mas foi seu grande companheiro até a morte dele, compartilharam momentos pessoais e atividades literárias – Éramos cavalos que galopam um ao lado do outro – e dele se despediu discretamente com dois poemas. Seu primeiro livro foi publicado em 1949, após ter se filiado ao Partido Operário para satisfazer as exigências dos censores comunistas. Somos filhos da época/e a época é política. Seu livro seguinte, de 1952, foi aprovado para publicação, ela foi aceita na União dos Literatos Poloneses e continuou escrevendo, conforme princípios do “ideal socialista”, do Partido Comunista, de que foi membro até 1966 e com o qual foi se desencantando gradualmente, como no livro de 1957, com poemas menos marcados pela estética do realismo soviético, e os dez livros seguintes, publicados até 2012. Entre 1953 e 1981, trabalhou no semanário Vida Literária, como editora e crítica na seção “Correio literário”, em que respondia anonimamente às cartas dos que enviavam seus primeiros escritos com a esperança de serem publicados. Em seus comentários e conselhos bem-humorados e irônicos – Agradecemos pelo poema e pela fotografia. O nó de sua gravata está muito bem-feito – Por enquanto, o senhor poderia escrever um interessantíssimo catálogo telefônico –, encontram-se também algumas de suas raras considerações sobre o trabalho poético: a poesia não é (...) uma recreação e uma fuga da vida, mas a própria vida – infeliz é aquele artista que não deixa nada atrás de si. Em 1957, passou a colaborar com a revista Kultura (revista literária e politica publicada em Paris por emigrantes polacos), estabeleceu contato com o escritor Jerzy Giedroyc e, durante os anos 1980, juntou-se ao Movimento Solidariedade, escrevendo sob pseudônimo. Durante 30 anos, escreveu também mais de 300 crônicas ensaísticas ou breves resenhas sobre livros condenados à prateleira de baixo, considerados “menores”, como enciclopédias, biografias, estudos de astronomia, botânica e calendários ilustrados, entre outros – que foram reunidas e publicadas em três volumes com o título Leituras não obrigatórias, o qual serve também como admoestação aplicável a este parágrafo, confessadamente extenso, excessivo, talvez, e nem um pouco szymborskiano].

Discreta e austera, durante a vida concedeu menos de dez entrevistas. Não gostava de expor sua vida privada e literária – minha vida está nos meus versos – nem de viajar, mas gostava de se reunir com amigos, presenteá-los com cartões-postais personalizados com colagem de fotos de revistas, compor limeriques e colecionar quinquilharias e fotos. Não tinha pressa com seus poemas: poema escrito na primavera não necessariamente resiste à prova de outono. Escrevia à mão em pedaços de papel ou anotava, em um caderno, palavras e pensamentos que podiam ou não dar origem a algum poema. Só depois de finalizados eram datilografados ou digitados. A mais importante atividade do poeta é rabiscar, e o utensílio mais valioso deve ser a cesta de lixo. Com estilo simples e linguagem coloquial, dizia escrever para todos poderem ler e entender – Meus poemas são uma respiração natural –, sobre temas como os sonhos, as guerras, a afeição pelos animais e a natureza, o diálogo com a ciência, a atenção às minúcias e seu grande amor, sempre com o olhar para o detalhe e a sensibilidade de traduzir a consciência da realidade a partir das coisas miúdas ou de um ponto de vista inusitado: A criação consiste em arrancar uma partícula da realidade. Sua poesia é densa e sofisticada, com muitas perguntas, mas sempre perpassada de humor – essa grande tristeza que consegue perceber as coisas engraçadas – Sei como ajeitar o meu semblante/para ninguém ver a tristeza constante.

Em um de seus mais famosos poemas “Alguns gostam de poesia”, assim ela a indefine: Mas o que é isso, poesia./Muita resposta vaga/já foi dada a essa pergunta./Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso/como a uma tábua de salvação.

Também não sei. Só sei que A poesia não é capaz de salvar o mundo. Mas, sem ela, como fazer essa travessia?. Pois, na linguagem da poesia, onde cada palavra é ponderada, nada é usual ou normal. Nem uma única pedra e nem uma única nuvem acima dela. Nem um único dia e nem uma única noite depois disso. E acima de tudo, nem uma única existência, nem a existência de ninguém neste mundo.

Não sei, mesmo, o que é. Só sei que gosto muito de poesia. E de Wisława Szymborska. Como de um "Amor à primeira vista": Porque afinal cada começo/É só continuação/e o livro dos eventos/está sempre aberto no meio.

Maria Mortatti