O ator Jofre Soares (José Jofre Soares, 1918 – 1996) nasceu em Palmeira dos Índios, agreste alagoano, distante 136 km da capital, Maceió. Terra do “Homem da Capa Preta” (Tenório Cavalcante, 1906 – 1987) e também do escritor Graciliano Ramos (1892 – 1953), autor de Vidas secas e Memórias do cárcere. O ator Jofre Soares começou sua carreira em 1961, aos 43 anos de idade. Atuou em mais de 100 filmes, entre eles: O bom burguês (1979), O grande mentecapto (1989), Terra em transe (1967), Memórias do cárcere (1984) e Bye bye Brasil (1979). Antes disso, foi oficial da Marinha por 25 anos. Já tinha se aposentado como marinheiro e se dedicava ao teatro amador e ao circo da cidade, no qual era um palhaço, quando o cineasta Nelson Pereira dos Santos (1928 – 2018) o conheceu e o convidou para fazer o filme Vidas secas, baseado na obra de Graciliano Ramos. A cadela vira-lata, que interpreta Baleia, foi encontrada pelo cineasta embaixo de uma barraca de frutas, numa feira de Palmeira dos Índios. Uma das cenas mais famosas do filme Vidas secas é o abatimento da cadela Baleia, em que é mostrado o animal sendo atingido por um tiro de espingarda, dado por seu dono, Fabiano. Quando o filme foi exibido no Festival de Cannes, na França, em 1964, o público e a crítica francesa ficaram impressionados com o realismo da cena e acreditaram que a cadela tivesse sido de fato sacrificada de verdade durante as filmagens, o que não foi verdade. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no ano de 2018, o diretor de fotografia do filme Luiz Carlos Barreto (1928 – ), explicou como a cena da morte de Baleia foi realizada: “Pegamos uma linha branca de costura, amarramos a perna no rabo para ela fingir que tinha levado o tiro. Tinha a maquiagem, água de chocolate, não sei o quê. Ela tinha de fechar os olhos. Nós escolhemos uma locação, um carro de boi e o sol nascendo para ela olhar para o sol. O sol batia, e ela foi fechando os olhos por causa da luminosidade. O Nelson botou toda a equipe para fora, e só ficou eu, ele e o José Rosa – e a câmera. Ninguém falava nada. Na hora que ela começasse a fechar os olhos, o Nelson catucava o Zé Rosa e ele ligava a câmara. Foi o combinado. O sol nasceu, ela fechou os olhos e deu a sensação nítida de morte.” A cadela Baleia também é imortal. Vez por outra a vejo correndo no agreste, livre e solta, na imensidão da memória da vida.
João Scortecci