Jorge Cury (12.04.1932 – 01.01.2019) foi professor de Literatura Portuguesa no curso de Letras da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (Unesp) e um dos fundadores (em 1983) do Centro de Estudos Portugueses da faculdade. Conviveu com Jorge de Sena e Adolfo Casais Monteiro, ilustres poetas, professores e críticos literários portugueses, que lecionaram na faculdade, nos anos 1960, autoexilados no Brasil por causa das perseguições do regime político autoritário de Salazar, durante o Estado Novo (1933 – 1974).
As principais características de Jorge Cury eram o sorriso constante e ironia contundente; simples, afetuoso e firme; católico convicto, enérgico defensor da justiça social, da Teologia da Libertação e do método "ver, julgar e agir", da Ação Católica, criado pelo padre belga Joseph Cardijn. Para mim, Jorge foi um amigo, espécie de pai espiritual – nos movimentos de jovens católicos que ele liderava – e de pai intelectual – como professor que me ensinou a amar a literatura portuguesa, desde a do período Medieval até à do século XX.
Faleceu na noite/madrugada de Réveillon de 2019, em decorrência de um AVC. Semanas antes, visitei-o no apartamento da Av. São Geraldo, em Araraquara. Uma tarde inesquecível com ele, a esposa, Terezinha, e as filhas, Silvana e Maria Eugênia. Muitas lembranças, muitas risadas, muitas histórias memoráveis e um projeto que lhe propus: reunir suas memórias. Concordou. Combinamos que eu iria preparar uma projeto, com gravação de depoimentos em vídeo e pesquisa documental em sua extensa biblioteca particular, então abrigada na antiga casa da Rua 4 em frente ao Instituto de Educação "Bento de Abreu", onde estudei e fui aluna de Terezinha – professora de Química no curso Colegial-Científico. Por gostar de suas aulas, indiquei o curso de Química como segunda opção no exame vestibular. E escolhi a primeira opção, Letras. Foi assim que conheci Jorge.
Infelizmente, não deu tempo para realizarmos aquele projeto. As memórias de Jorge ficam registradas nas de todos que com quem ele conviveram. Para mim, ficam os muitos registros escritos de suas aulas, os livros que li por sua indicação, muitas lembranças, muitas histórias – que não cabem neste post - e suas lições que continuam vivas. De duas delas, em especial, não me esqueço. Certo dia, durante uma aula, em tarde quente de verão e sol araraquarenses, início dos anos 1970, olhou fixamente para as jovens alunas – havia apenas um aluno na turma – e em seu costumeiro tom irônico, foi dizendo o que vislumbrava para cada uma. À amiga sentada ao meu lado, disse: “Você vai se casar com um marido rico e não vai ser professora”. E, para mim: “Você vai ser poeta”. Profético, nos dois casos. A outra foi a mais importante. Uma eterna lição de vida e amor pelos livros e pela literatura: “Ler é uma maneira suave de esperar”.
Maria Mortatti