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A HUMORÍSTICA "GRAMMATICA PORTUGUEZA PELO METHODO CONFUSO", DE MENDES FRADIQUE / MARIA MORTATTI

“Grammatica é a arte de fallar e escrever incorrectamente uma língua. Segundo affirmam os grammaticos, a grammatica é o conjunto de regras tiradas do modo pelo qual um povo falla usualmente uma lingua. Ora, o povo falla sempre muito mal, e escreve ainda peiormente; logo, não é de estranhar que seja a grammatica a arte de fallar e escrever incorrectamente uma lingua." (p. 7) 

Com essa definição em forma de silogismo se inicia a Grammatica portugueza pelo methodo confuso, de Mendes Fradique, publicada pela Livraria Editora Leite Ribeiro (RJ), em 1928. Além do título da gramática, farsesco é o nome do autor: Mendes Fradique. Nesse pseudônimo, encontra-se em ordem invertida o nome de Fradique Mendes, personagem inventado por um grupo de intelectuais portugueses que, no final do século XIX, reunia-se para discutir assuntos literários e políticos. O escritor do realismo português Eça de Queiroz (1845 – 1900), que integrava o grupo, utilizou esse poeta fictício como personagem de seu romance epistolar Correspondência de Fradique Mendes (1900 – obra póstuma), em que o apresenta como "homem distinto, poeta, viajante, filósofo nas horas vagas, diletante e voluptuoso".

Mendes Fradique é o pseudônimo de José Madeira de Freitas, nascido em 3 de abril de 1893, na cidade de Alfredo Chaves, estado do Espírito Santo. Aos 17 anos de idade iniciou o curso de desenho e pintura do Instituto de Belas Artes, na cidade de Vitória, capital capixaba, cursou Medicina no Rio de Janeiro, formou-se em 1917, aos 24 anos de idade, especializando-se em diabetes, com consultório na Cinelândia e, mais tarde, lecionou na Faculdade Fluminense de Medicina. Foi também jornalista, desenhista, chargista, caricaturista e escritor, era amigo do jornalista e poeta satírico Emílio Menezes (1866 – 1918), colaborou com charges e caricaturas políticas na revista O Pirralho, fundada na capital paulista, em 1911, por Oswald de Andrade e Dolor de Brito. Foi, ainda, editor de arte e desenhista-caricaturista na revista Rio Ilustrado, colaborou em revistas e jornais cariocas – revista Dom Quixote, O Jornal e Gazeta de Notícias –, em O Estado do Paraná, de Curitiba, e Folha da Noite, de São Paulo, e na revista O Cruzeiro, lançada em 1928. É autor dos seguintes livros assinados por Mendes Fradique: Hypocratéa (1917), coletânea de sonetos e perfis de seus colegas de faculdade, com prefácio de Emilio de Menezes; A lógica do absurdo – crônicas (1920, 2ª. ed. 1926), Contos do vigário (1922), Feira livre – anthologia humorística (s.d),  Historia do Brasil pelo methodo confuso (7ª. ed., 1927), Dr. Voronoff – romance (1926), No século da cocaína (1927), O bom senso da loucura (1928), Pantominas (1928), Grammatica portuguesa pelo methodo confuso (1928) e Ideias em zig-zag (1928). 

Considerado um dos mais importantes humoristas e caricaturistas brasileiros do início do século XX, satirizava até figuras importantes da política da época, como Rui Barbosa e Nilo Peçanha. Inicialmente próximo dos modernistas de 1922, o autor ziguezagueou em direção ao fascismo, como em seu último livro com característica de ensaio favorável ao ditador italiano Benito Mussolini. Em 1932, Mendes Fradique se filiou ao Partido Integralista liderado por Plinio Salgado, tornando-se redator-chefe do jornal A Offensiva, órgão de comunicação do partido. Em 1938, foi preso por participar do levante armado integralista contra Getúlio Vargas, no Palácio do Catete. Em decorrência de um derrame sofrido na prisão, José Madeira de Freitas faleceu em seu apartamento no Rio de Janeiro, no dia 6 de abril de 1944, com 51 anos de idade.

Grammatica portugueza pelo methodo confuso (171 p.) foi elaborada como forma de crítica, por meio do humor caricatural, às gramáticas da época, que, em geral, continham exposição de tópicos gramaticais, seguida de um “Appendide Anthologico”, com “excertos de autores clássicos e contemporâneos”. Assim como a parte gramatical, o apêndice de 79 páginas contém incorreções propositais, com textos autênticos e outros apócrifos, acompanhados de informações biográficas de 66 autores entre brasileiros e portugueses e críticas negativas, irônicas e irreverentes. Há informações corretas ao longo do livro, mas já pela nota inicial do autor e pela definição de gramática no capítulo I, explicita-se a sátira aos manuais didáticos. A gramática de Mendes Fradique é e não é exatamente uma gramática (escolar) Embora contenha esta irreverente informação na folha de rosto: “Adoptado em todas as escolas primarias, secundarias e terciarias do Brasil e suburbios”, destina-se a leitores experientes e até eruditos, que consigam entender e apreciar sua hilariante e satírica ironia. Foi a primeira gramática humorística brasileira. Em 1928, foi publicada a primeira edição, pela Livraria Editora Leite Ribeiro Freitas Bastos & Cia. do Rio de Janeiro, que também editou outros livros do autor. Seguiram-se três edições: pela editora Musa (SP), sem data, e edições fac-similares em 1984 e 1985, pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida, em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo, na coleção Letras Capixabas. 

Em meu acervo bibliográfico e documental, há um exemplar da primeira edição, de 1928, que comprei em sebo paulistano no início dos anos 1990, pelo preço de CR$1,00 (= R$ 0,0003636364), quando manuais didáticos ainda não tinham sido descobertos como fonte e objetos importantes de pesquisa historiográfica. Nas três últimas décadas, com o interesse crescente de pesquisadores principalmente da história da educação, esses livros antigos foram escasseando no mercado alfarrabista e acadêmico, tornando-se obras raras, com alto valor simbólico e preços elevados, até centenas de vezes maiores do que paguei por essa gramática, que está entre meus objetos de pesquisa historiográfica. Lançada há 95 anos, a humorística obra foi a que escolhi para apresentar (de modo didático, bem comportado e preservando ortografia de época nas citações, corretamente, como manda a gramática do historiador) no Dia Nacional do Livro Didático, criado no Brasil em 1929 – um ano depois da gramática de Mendes Fradique –, pelo Instituto Nacional do Livro, e comemorado anualmente em 27 de fevereiro. 

Maria Mortatti 


 

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