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O COLAR DE PÉROLAS DA ESCRITORA ANNA MARIA MARTINS / JOÃO SCORTECCI

A escritora e acadêmica Anna Maria Martins (1924 – 2020) lutou como uma mulher! Não me recordo o ano. Talvez 1992, quando trabalhamos juntos na indicação do escritor e crítico literário Fábio Lucas para o Prêmio Intelectual do Ano – Troféu Juca Pato, conferido pela UBE – União Brasileira de Escritores. Outro dia, entrei em contato pelo Messenger com sua filha, a escritora Ana Luísa Martins, na esperança que me ajudasse a lembrar o ano do acontecido. Assustadíssima, Ana Luísa respondeu: “Nossa, João, precisamos conversar e você me contar essa história! Típica da minha mãe. Ela deve ter escondido de mim (...).” Atendi, então, ao pedido e resolvi contar a história. Guardo-a desde a morte de Anna Maria, em 2020. Era uma quarta-feira, certeza disso, dia de reunião de diretoria da UBE e de bebedeira – uísque com pastel de queijo –, no lendário Bar do Franco, na Rua 24 de Maio, 250, 13º. andar, sede da entidade, a poucos metros da Praça da República, no centro da capital paulista. Era pouco mais de seis da tarde. Anna Maria entrou agitada, eufórica e elétrica. “Scortecci, eu cometi um ato de loucura! Algo terrível! Não acredito que fiz isso!” “Calma! Calma!” “Não sei o que na hora passou na minha cabeça!” Sentamo-nos, então, num canto da sala de reunião. A sede da entidade ainda estava vazia. Ninguém por perto. Anna Maria parecia transtornada, com o pescoço vermelho – talvez ferido – e a maquiagem borrada. “O que aconteceu?” Ela começou a falar velozmente, misturando palavras, fora do seu comum de fala mansa, pausada e lúcida. “Estava parada no semáforo, vindo para a UBE, quando, do nada, um marginal invadiu o carro pela janela do passageiro, agarrou-me pelo pescoço e tentou roubar o meu colar.” “E o que aconteceu: ele levou o colar?” “Não.” Mostrou-me o colar de pérolas, ainda no pescoço e meio encoberto pela gola da blusa. “Atraquei-me com ele e lutamos ferozmente!” “Anna, o que você fez!” “Lutamos! Lutamos!” “Ele poderia ter uma arma, uma faca, e ter matado você!” “Eu sei. Mas não sei o que passou na minha cabeça naquela hora! Cometi um ato de loucura! Quero ir embora! Você vai comigo até o estacionamento?” “Claro que sim!” Era comum, depois das atividades na UBE, já tarde da noite, que eu a acompanhasse até o estacionamento que ficava no lado oposto da Praça da República e onde ela costumava deixar o carro. Fiz isso muitas vezes, escoltando Anna Maria e as escritoras Ruth Rocha e Lygia Fagundes Telles, as três juntas. Antes de entrar no carro e ir embora, indagou-me, mais uma vez: “Scortecci, o que eu fiz?” “Você lutou como uma mulher!” Ela engatou a marcha do carro – acho que era um Gol branco – e acelerou. Naquela noite – talvez do ano de 1992 – pude confirmar a força, a coragem e a determinação de Anna Maria Martins. Delicada, guerreira e imortal. Numa entrevista que concedeu à revista Numen (Scortecci Editora, 1989), declarou: “Embora ache que o compromisso precípuo do escritor é para com a literatura, considero que o intelectual não pode permanecer omisso em relação a fatos que estrangulem o ser humano. Mais precisamente, julgo ser a denúncia uma obrigação do escritor, toda vez que um indivíduo for aviltado em seus direitos básicos de sobrevivência. O escritor não se pode calar e jamais pode ser calado. Ele imprime para sua geração e para as posteriores seu testemunho, visão e interpretação dos fatos de sua época.”

João Scortecci

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