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ELIZABETH BARRETT BROWNING: POETA E ATIVISTA, “A VERDADEIRA FILHA DE SUA ÉPOCA” / MARIA MORTATTI

How do I love thee? Let me count the ways.”/(“Como te amo? Deixe-me contar os modos”), é o primeiro verso do famoso “Soneto 43”, do livro Sonnets from the Portuguese (Sonetos da Portuguesa) (1850), com 44 sonetos escritos pela poeta e ativista inglesa da Era Vitoriana, Elizabeth Barrett Browning. 

Nascida em 6 de março de 1806, em Durham, Inglaterra, Elizabeth era filha de proprietário de plantações de cana na Jamaica, foi educada em casa e era também autodidata. Sua primeira publicação foi The battle of Marathon (1820), seguindo-se An essay on mind and other poems (1826); Prometheus bound (1833), traduzido de Ésquilo; The Seraphim and other poems (1838). Em 1844, com 38 anos de idade e já prestigiada e popular na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, publicou Poems, em que se encontra o poema “Catarina to Camoens”, inspirado na história de Catarina de Ataíde, supostamente a amada do poeta português Luís de Camões (c. 1524 – 1580). Encantado com o livro e em especial com esse poema, Robert Browning (1812 – 1889), poeta e dramaturgo inglês, seis anos mais jovem do que ela, enviou-lhe uma carta declarando amor à poeta e sua poesia, iniciando-se, assim, um romance, apesar da forte oposição do pai dela, que proibia os filhos de se casarem. Elizabeth e Robert trocaram 574 cartas durante os 20 meses seguintes. Em 1846, casaram-se em segredo e fugiram, acompanhados da criada e de Flush, o cocker spaniel da poeta – que também levou, em segredo, os manuscritos dos 44 sonetos em que está registrada poeticamente a história de amor entre ambos. O casal fixou residência na Casa Guidi, em Florença, Itália, houve melhora na saúde da poeta, adoentada desde a adolescência, e tiveram um filho. Quando mostrou os sonetos ao marido, ele incentivou a publicar, e escolheram o título Sonnets from the Portuguese, segundo alguns estudiosos, para não expor a identidade da autora de poemas tão audazes para a época, nos quais a mulher assume a voz e o protagonismo na ardente relação amorosa. Com o casamento, a poeta retomou e intensificou também o envolvimento em assuntos políticos e sociais, especialmente causas liberais, como imperialismo, industrialização, o papel da mulher. Publicou o poema Casa Guidi windows (1851), favorável à luta pela unificação da Itália; Poems before Congress (1851), contra a escravidão nos Estados Unidos; e Aurora Leigh (1857), poema em prosa, em nove volumes, retratando a dominação masculina sobre a mulher e que passou a ser considerado um dos primeiros textos feministas. Morreu em Florença, em 29 de junho de 1861. Após a morte de Robert, em 1889, o filho publicou a correspondência amorosa do casal de poetas.

Barrett Browning foi a mais admirada poeta de língua inglesa. Sua reputação literária ultrapassou a do marido. Sonnets from the Portuguese foi considerado pelos críticos como seu melhor trabalho, exerceu influência sobre outros escritores e foi traduzido para vários idiomas.

Para escrever “O corvo”, o poeta norte-americano Edgar Allan Poe (1809 – 1949) se baseou no ritmo e na métrica do poema “Lady Geraldine's Courtship”, do livro Poems (1844), da poeta inglesa, sobre o qual comentou nunca ter lido “um poema combinando tanta paixão feroz com tamanha imaginação delicada"; “sua inspiração poética é a mais alta — não podemos conceber nada mais solene. Seu senso de arte é puro em si”. A poeta norte-americana Emily Dickinson (1830 –1886) tinha em seu quarto um retrato de Elizabeth Barrett Browning. Em 1930, a escritora Virginia Woolf (1882 – 1941) expressou sua admiração pelo poema Aurora Leigh, ressaltando que a poeta "foi inspirada por um lampejo de verdadeiro gênio quando correu para a sala de estar e disse que aqui, onde vivemos e trabalhamos, é o verdadeiro lugar para o poeta"; e a heroína do poema, "com seu interesse apaixonado pelas questões sociais, seu conflito como artista e mulher, seu anseio por conhecimento e liberdade, é a verdadeira filha de sua época". Em 1933, com base nas cartas de amor dos dois poetas vitorianos, Woolf publicou Flush: a biography, biografia imaginária do cocker spaniel, a única testemunha ocular da intimidade da relação amorosa do casal Browning.

A obra de Barrett Browning conquistou admiradores também em outros países. Em 1908, Rainer Maria Rilke (1875 –1926) traduziu Sonnets from the Portuguese para o alemão. Fernando Pessoa (1988 – 1935) traduziu o poema “Catarina a Camões” (1844), divulgado em sua Obra Poética, de 1965. O brasileiro Manuel Bandeira (1886 – 1986) incluiu, em seu livro Libertinagem (1930), tradução/recriação de quatro sonetos – entre eles o “43” – da poeta inglesa, a quem Mário de Andrade chamava de “Belinha Barreto”. Há ainda traduções brasileiras do “Soneto 43”, por Luiz Euzébio, Sérgio Duarte e Thereza Christina Rocque da Motta, e a tradução do livro por Leonardo Fróes (Rocco, 2011), com informações biobibliográficas e análise da obra.

Corajosa pioneira da expressão da voz feminina na Era Vitoriana, Elizabeth Barrett Browning fincou raízes na história da literatura e do movimento feminista. A relação amorosa vivida intensamente, celebrada e imortalizada no seu livro mais famoso se tornou um caso singular a ser lembrado sempre com o nome da mulher em primeiro lugar: Elizabeth & Robert. 

Maria Mortatti