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JOÃO KÖPKE, EDUCADOR REPUBLICANO E A "HORA DAS CRIANÇAS" / MARIA MORTATTI

O fluminense João Köpke (27.11.1852 – 28.07.1926), natural de Petrópolis/RJ, foi um educador e escritor cuja atuação se fundamentava no princípio da educação e da escolarização elementar, no ensino científico, racional, laico e na educação primária e secundária para ambos os sexos, como pilares do regime republicano que defendia. Participou de importantes eventos da vida educacional de sua época, foi professor, conferencista, crítico e polemista, destacando-se pela coerência e inflexibilidade de princípios, pelo pioneirismo na divulgação de modernas ideias e práticas pedagógicas, especialmente o método analítico para o ensino da leitura, e pela variada e profícua obra escrita, com especial atenção dedicada às crianças, desde seus livros escolares e literários e suas peças de teatro, até o programa de rádio que criou, organizou, redigiu e apresentou no final da vida.

Recebeu formação primária no Colégio de Petrópolis – fundado por seu pai Henrique Köpke, português de ascendência germânica –, cursou o ginásio na cidade do Rio de Janeiro, iniciou o curso de Direito na Faculdade de Direito de Recife e concluiu na Faculdade de Direito de São Paulo, quando se mudou para a capital paulista, onde se casou e também deu aulas particulares e em cursos preparatórios. Na província em efervescência, participou de intensos debates e se relacionou com republicanos paulistas e maçons, como Francisco Rangel Pestana, Antônio Caetano de Campos, Julio Ribeiro, Antonio da Silva Jardim. Bacharelou-se em Ciências Sociais e Jurídicas em 1875, foi promotor público em comarcas do interior paulista e da capital do estado. Interrompeu a carreira na magistratura para se dedicar à atuação como educador nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, onde lecionou no Colégio Culto à Ciência – de ideário republicano –, ministrou lições particulares e lecionou no Colégio Florence, destinado à educação feminina. Em 1884, na cidade de São Paulo, fundou, com Silva Jardim, a Escola Primária Neutralidade, para  crianças e adolescentes de ambos os sexos, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde fundou o Instituto Henrique Köpke, frequentado por meninos e meninas de famílias ilustres, como os filhos de Ruy Barbosa, Conrad Jacob Niemeyer e os das famílias Guinle e Murtinho, que o auxiliaram para superar problemas financeiros da escola. Era admirado por homens ilustres como Barbosa Lima, Coelho Netto, Roquette Pinto, Prudente de Moraes, além de Ruy Barbosa, Rangel Pestana e tantos outros. Fundou uma associação de professores no Rio de Janeiro e ocupou o cargo de membro substituto do Conselho da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte. Por ocasião da proclamação da República, seu nome foi cogitado, por membros do Partido Republicano Paulista, para dirigir a Escola Normal de São Paulo. Köpke permaneceu como diretor e professor do Instituto Henrique Köpke até 1897, quando se retirou da sociedade mantenedora, devido a divergências com sócios. Foi nomeado Presidente da República Campos Salles, como oficial do registro geral e de hipotecas do Rio de Janeiro, cargo que ocupou até sua morte, aos 74 anos de idade.

É autor de cartilhas e livros de leitura e de poesia infantil, fábulas e peças de teatro, tradutor de textos pedagógicos e histórias infantis. Entre suas dezenas de publicações, encontram-se os livros: FábulasLivro das mãesCartilha n. 1 e  Cartilha n. 2 (1916), os cinco livros de Leituras moraes e instructivas para uso das escolas primárias, da Série Rangel Pestana (iniciada em 1884); Curso da língua materna (1915). Os livros dessa Série, publicados pela Francisco Alves, tiveram sucessivas reedições e formaram gerações de brasileiros, ao longo de muitas décadas. E as ideias inovadoras especialmente sobre o ensino da leitura pelo método analítico fizeram dele um precursor em relação a esse ensino, referência para muitos educadores de sua época, e contaram sempre com calorosa recepção entre o professorado e as autoridades educacionais, tendo recebido várias homenagens, entre as quais a de patrono da Cadeira n. 5 da Academia Paulista de Educação. É também um antigo conhecido meu. Fez parte de minhas leituras escolares no curso primário, no início dos anos 1960, e é um dos sujeitos de minhas pesquisas e publicações, desde os anos 1980, sobre história da educação e do ensino de língua e literatura no Brasil. 

Em meio a tantas atividades, Köpke nunca deixou de se dedicar à educação da infância. Continuou revendo e atualizando sua obra didática e se dedicou à literatura infantil. Escreveu peças de teatro para crianças, em prosa e verso, a partir de histórias como “Chapeuzinho Vermelho”, “Branca de Neve” e “A Bela Adormecida”, e, em 8 de maio de 1924, em sessão extraordinária da Sociedade de Educação de São Paulo, pronunciou a oração intitulada Theatro juvenil. A partitura de peça A bela adormecida foi composta, gratuitamente, por um de seus antigos discípulos, Dr. Carlos de Campos, então presidente do estado de São Paulo; a peça foi representada nesse estado e no Rio de Janeiro, com grande sucesso. Seu livro Versos para os pequeninos – manuscrito recentemente descoberto e publicado em fac-símile –, escrito entre 1886 e 1897, contém 24 poemas com ilustrações e inovações formais em relação à poesia infantil da época, reafirmando-se seu pioneirismo também na literatura infantil. 

Nos últimos anos de sua vida, além de pensar em novo método de combater o analfabetismo por meio do rádio, Köpke ainda organizou, na primeira estação de radiodifusão do Brasil – a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, do pioneiro Roquete Pinto – a “Hora das Crianças”, programa que ele redigia e apresentava com o apelido de “Vovô”.  Na tarde de 28 de julho de 1926, cercado de antigos discípulos, João Köpke faleceu em sua casa no bairro de Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro, logo após ter se calado o coro alegre das crianças que cantavam ali perto, no Colégio Sion.

Maria Mortatti – 10.03.2023