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UMA FLOR AZUL PARA SOPHIE E LOBÉLIA / JOÃO SCORTECCI

Uma flor azul (Blaue Blume) é o símbolo central de inspiração para o movimento do romantismo alemão. O símbolo foi introduzido pelo poeta, místico e filósofo alemão Novalis (Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, 1772 – 1801), um dos mais importantes representantes do primeiro romantismo alemão do final do século XVIII. A escolha pela flor azul foi fruto de um sonho místico, confuso e agitado do poeta. Buscava incessantemente por uma flor azul, ajudado por Cyane, que dizia ser filha de Maria, Mãe de Deus. Encontrando-a em meio a um prado, cercada de rochas azuis escuras e sob um céu azul-escuro, a flor azul o chamou, mostrando no centro a imagem de sua amada Sophie (Christiane Wilhelmine Sophie von Kühn, 1782 – 1797), que morreu jovem, aos 15 anos de idade, marcando profundamente a vida do poeta. Cyane pegou a flor azul e a entregou ao poeta, que dançou com sua amada Sophie de olhos azuis claros e veias azuis em seu pescoço. O “sonho azul” mudou e radicalizou a vida do poeta. Seus dois livros de poemas, Hinos à noite (1797) e Canções espirituais (1799), publicados postumamente, em 1802, são considerados suas principais realizações líricas. Novalis deixou ainda dois romances inacabados, Heinrich von Ofterdingen, em que introduziu a imagem da flor azul, e Die Lehrlinge zu Saïs (Os Discípulos de Saïs), ambos também publicados postumamente. Os romances descrevem uma harmonia mundial universal com a ajuda da poesia. Escreveu: "Poesia é a grande arte de construir a saúde transcendental. O poeta é, pois, o doutor transcendental. A poesia reina e impera com dor e cócega – com prazer e desprazer – erro e verdade – saúde e doença. Mescla tudo para seu grande fim dos fins – a elevação do homem acima de si mesmo." Novalis morreu jovem, de tuberculose, aos 29 anos de idade. Conheci Lobélia, menina-moça, no esplendor dos seus 15 anos de idade. Uma herbácea pálida e triste. Nativa da África do Sul, da família Campanulaceae, imigrou para o Brasil no início do ano de 1972. Lobélia gostava de escrever poesia e carregava nos olhos o azul roxo de pétalas. Parecia – no cenário urbano – procurar desconfianças e versos inacabados. Coisas de poeta! Carregava – inadvertidamente – papel, caneta e perfume da noite. Escrevia e vigiava o silêncio do largo da igreja de Santa Cecília, na capital paulista. Escolhia suas próprias sombras e despertava – quando desejava – paixões alheias. Era o seu melhor amor. Sobrevivia cunhada na terra seca do canteiro do paredão da igreja. Única! Quando chegou o início do último outono, secou e desapareceu na morte. Foi um luto urbano, trágico e dolorido. Outro dia – reescrevendo Novalis – lembrei-me de Lobélia, a flor azul. Não estava mais em lugar algum. Nem mesmo um sinal de aviso foi deixado no canteiro. Encontrei no lugar vazio um piso de concreto, que cobria todo o cativeiro. No ar, um forte cheiro de urina humana. Nada do poeta Novalis, da amada Sophie, de Cyane, filha de Maria, e, muito menos de Lobélia, a flor azul, do ideal inalcançável e do passado transcendental.

João Scortecci