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BIBLIOTECAS PEDAGÓGICAS E A MODERNIZAÇÃO DO BRASIL, NOS ANOS 1920/1930 / MARIA MORTATTI

Nos anos 1920/1930, no contexto de modernização do Brasil, com mudanças políticas, sociais, culturais e educacionais e expansão do mercado editorial, com aumento de editoras, títulos, autores e tiragens, foram criadas as primeiras coleções pedagógicas destinadas à formação de professores do primário até o ensino superior, como as então existentes em outros países. As primeiras iniciativas desse tipo foram a Bibliotheca de Educação, da Melhoramentos, e a Biblioteca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora Nacional, que se destacaram também na edição de livros infantis e para a escola. Para dirigir essas coleções, foram convidados, respectivamente, o educador e psicólogo Manoel Bergström Lourenço Filho (10.03.1897 – 03.08.1970) e o educador e sociólogo Fernando de Azevedo (02.04.1894 – 18.09.1974), ambos intelectuais brasileiros proeminentes, com prestígio e autoridade em assuntos educacionais e culturais. Além da extensa e destacada atuação de ambos em vários níveis do magistério e em cargos diretivos na administração da educação, no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro/DF, Lourenço Filho e Azevedo foram signatários do documento A reconstrução educacional no Brasil: Ao povo e ao governo: manifesto dos pioneiros da educação nova, de 1932, redigido por Azevedo e assinado também por outros 24 ilustres brasileiros, como Anísio Teixeira, Edgard Roquete-Pinto, Júlio de Mesquita Filho, Cecília Meireles. No Manifesto, lançaram-se as bases e as diretrizes de uma nova política de educação, iniciando-se no Brasil o movimento escolanovista, fundamentado no princípio da educação pública, laica, gratuita e obrigatória, articulando a educação e o debate político em torno de projeto modernizador da “Era Vargas”, notadamente após a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, e o processo de federalização de iniciativas estaduais no âmbito da cultura e da educação.

A Bibliotheca de Educação da Melhoramentos foi criada em 1927 sob a direção de Lourenço Filho  – “um segundo ego da editora”, nas palavras de Hernani Donato –, que atuou intensamente como editor, revisor de livros de literatura infantil (estima-se que tenha emitido mais 5000 pareceres a originais), tradutor, adaptador, prefaciador, organizador, orientador, autor de títulos dessa coleção pedagógica e também de outras duas da editora, Biblioteca Infantil (a partir de 1925, substituindo Arnaldo de O. Barreto) e Viagem Através do Brasil (1934). Bibliotheca de Educação, que foi o primeiro projeto editorial no Brasil a publicar textos de divulgação das bases científicas e dos processos racionais da educação, contou com títulos de autores brasileiros e estrangeiros, que se destacavam em campos como os da psicologia, sociologia e filosofia, representando importantes referências na proposição e divulgação de ideias do movimento de renovação educacional. Entre os brasileiros, constam: A. Sampaio Dória, A. Espinheira, M. Teixeira de Freitas; entre as traduções de autores estrangeiros, principalmente europeus e estadunidenses, constam: H. Piéron. Lourenço Filho dirigiu a coleção até sua morte, em 1970.

A Biblioteca Pedagógica Brasileira da Companhia Editora Nacional, criada em 1931 sob a direção de Fernando de Azevedo, era composta por cinco séries: Literatura infantil; Livros didáticos; Atualidades Pedagógicas; Iniciação científica; Coleção Brasiliana. Além de quatro livros de Azevedo, nela foram publicados (de forma intercalada na sequência de volumes), livros de autores brasileiros, como A. Teixeira, A. Peixoto, D. Carvalho, A. Ramos, Almeida Junior, A. Espinheira, Carneiro Leão, Venâncio Filho; e estrangeiros, como J. Dewey, E. Claparède, H. Piéron, H. Wallon, A. M. Aguayo, P. Monroe. R. Nihard.  A ênfase inicial dos títulos era no conteúdo de base científica, especialmente, no campo da psicologia e da biologia, ciências consideradas como propulsoras da cientificidade da pedagogia. No final dos anos 1930, esse projeto político-educacional de Azevedo e seu prestígio editorial foram abalados, em decorrência da intervenção por parte do regime de Getúlio Vargas e da propaganda desmobilizadora de educadores católicos, dissolvendo-se a rede de autores que ele organizara. Com a saída de Azevedo, em 1946, a Biblioteca Pedagógica Brasileira passou a ser dirigida por J. B. Damasco Penna, que reformulou o projeto editorial. Até 1978, pouco antes de a editora ser comprada pelo IBEP, foram publicados 134 volumes. Segundo o pesquisador Laurence Hallewell, a mais importante série dessa Biblioteca foi a Brasiliana, que recebeu reconhecimento também fora do âmbito educacional, podendo ser considerada “uma das primeiras manifestações do novo interesse pelo Brasil e por sua herança, despertado com a Revolução de 30”, tendo sido depois imitada por muitas outras coleções de outras editoras.

Nesses pioneiros e exitosos projetos dos anos 1920/1930, foi determinante o papel dos intelectuais editores Lourenço Filho e Fernando de Azevedo Com prestígio e liberdade para selecionar títulos e autores, divulgando o que havia de mais atual na cultura científica nacional e estrangeira da época, marcaram a história editorial e educacional brasileira, contribuindo para a modernização política, social, cultural do Brasil. 

Maria Mortatti

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Como citar este texto: MORTATTI, M. Bibliotecas pedagógicas e a modernização do Brasil, nos anos 1920/1930. 2023. Disponível em: https://www.livroseautores.com.br/2023/04/bibliotecas-pedagogicas-e-modernizacao.html