O vento foi varrendo as luzes, os sonhos, os meses, e eu, cada vez mais intrigada, pensando naquelas cartas secretas do discreto poeta que “amou três mulheres ao mesmo tempo, embora não vivesse com nenhuma delas: a holandesa Frédy Blank, que era casada, a pernambucana Dulce Pontes, que também escrevia poesia, e a mineira Maria de Lourdes de Souza, filha de um ministro do Supremo Tribunal Federal”, além de várias namoradas esporádicas e da “afeição de toda uma vida”, a alemã Gertrud Bühler, que, “numa pasta encadernada com o tecido do vestido usado na última noite que os amantes passaram juntos”, preservou as 30 cartas recebidas do poeta.
Acordei com o soluço do sapo transido de frio na beira do rio, noticiando a tragédia brasileira. Lembrei-me do porquinho-da-índia. Voltei para buscá-lo. Só encontrei a indesejada das gentes. Bandeira morreu de hemorragia gástrica, aos 82 anos de idade. Foi enterrado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras. Não sei se teve medo ou sorriu, se deixou cada coisa em seu lugar. Ele se foi sem me dizer adeus. Sobre a mesinha de cabeceira, envolto naquele vestido, encontrei seu testamento: O que não tenho e desejo/É que melhor me enriquece./Vi terras da minha terra./Por outras terras andei./Mas o que ficou marcado/No meu olhar fatigado/Foram terras que inventei.
Maria Mortatti – 19.04.2023
_____________Obs.: Cito, sem aspas e com licença poética, versos de vários poemas de Manuel Bandeira. Os trechos entre aspas são de Marcelo Bortoloti, revista Época, 2015.