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MANUEL BANDEIRA NAS TERRAS QUE INVENTEI / MARIA MORTATTI

Há algum tempo descobri as cartas secretas do poeta, professor de literatura, crítico literário e tradutor Manuel Bandeira (19.04.1886 – 13.10.1968). Com ele passei aquela noite de libertinagem. Fomos para Pasárgada, lá onde somos amigos do rei. Ele teve as mulheres que quis. E eu, o homem que quero, na cama que escolhemos. A nossa, tinha lençóis brancos, um livro na mesinha de cabeceira sob o quebra-luz e o amor – ah, o amor! – inteirinho dentro de nós, com lirismo descomedido, todo libertação. E a minha vida ficava/Cada vez mais cheia/De tudo. Comecei a escrever. O texto – inconcluso – guardei-o com o porquinho-da-índia debaixo do fogão. Em Pasárgada adormeci e sonhei com a estrela da vida inteira brilhando na penumbra do quarto. 

O vento foi varrendo as luzes, os sonhos, os meses, e eu, cada vez mais intrigada, pensando naquelas cartas secretas do discreto poeta que “amou três mulheres ao mesmo tempo, embora não vivesse com nenhuma delas: a holandesa Frédy Blank, que era casada, a pernambucana Dulce Pontes, que também escrevia poesia, e a mineira Maria de Lourdes de Souza, filha de um ministro do Supremo Tribunal Federal”, além de várias namoradas esporádicas e da “afeição de toda uma vida”, a alemã Gertrud Bühler, que, “numa  pasta encadernada com o tecido do vestido usado na última noite que os amantes passaram juntos”, preservou as 30 cartas recebidas do poeta.

Acordei com o soluço do sapo transido de frio na beira do rio, noticiando a tragédia brasileira. Lembrei-me do porquinho-da-índia. Voltei para buscá-lo. Só encontrei a indesejada das gentes. Bandeira morreu de hemorragia gástrica, aos 82 anos de idade. Foi enterrado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras. Não sei se teve medo ou sorriu, se deixou cada coisa em seu lugar. Ele se foi sem me dizer adeus. Sobre a mesinha de cabeceira, envolto naquele vestido, encontrei seu testamento: O que não tenho e desejo/É que melhor me enriquece./Vi terras da minha terra./Por outras terras andei./Mas o que ficou marcado/No meu olhar fatigado/Foram terras que inventei.

Maria Mortatti – 19.04.2023 

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Obs.: Cito, sem aspas e com licença poética, versos de vários poemas de Manuel Bandeira. Os trechos entre aspas são de Marcelo Bortoloti, revista Época, 2015.


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Como citar este texto: MORTATTI, Maria. Manuel Bandeira nas terras que inventei. 2023. Disponível em: https://www.livroseautores.com.br/2023/04/manuel-bandeira-nas-terras-que-inventei.html