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O ZERO E O NADA MUITO ALÉM DO VAZIO / JOÃO SCORTECCI

O número zero figura, provavelmente, na lista das grandes invenções da humanidade, como a roda, a bússola, a pólvora, a eletricidade, a penicilina, a prensa móvel, o papel, o vidro, a fotografia, o motor, o telefone, a Internet e tantas outras igualmente grandes. Não tenho como dimensionar – desconheço – o quanto o zero é importante. Para nós, poetas, o zero é vazio, espaço a ser ocupado. Quando menino escutava, sempre: “O zero do lado esquerdo não vale um tostão!” Hoje – não importa onde apareça – o zero, sempre, arrebenta a boca do cofre. O danado, amasiado, sem vínculo legal ou formal com ponto, vírgula, barra, traço, asterisco ou arroba, tem valor magnânimo. Um aparte, apenas: quando tirávamos um zero na prova na escola da infância, a professora riscava um traço embaixo do algarismo. Desconheço a razão. Alguém sabe? Quanto ao zero, figura oca e oval, tinha plena ciência do seu sentido, do seu valor poético. Acepção plena do zero absoluto! Medo que vire um oito? Um preguiçoso imortal? Impossível. Ou, talvez, um aviso, um alerta, uma sentença. O sistema numérico hindu-arábico ou indo-árabe é um sistema numeral decimal (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), o mais popular no mundo, para a representação simbólica de números. Foi inventado entre os séculos I e IV, por matemáticos indianos. Especialistas acreditam que o zero tenha sido introduzido apenas como um “espaço reservado”. Algo assim. O matemático e astrônomo indiano Brahmagupta (598 – 668), provavelmente tenha sido um poeta marginal, um vate maldito, ao conceituar, com propriedade, que, quando o zero é adicionado a um número ou subtraído de um número, o número permanece inalterado e que um número multiplicado por zero se torna zero. A figura oca e oval – que identificamos como o zero – foi introduzida no mundo ocidental, no século XIII, pelo matemático italiano Leonardo Fibonacci (1170 – 1250), no seu Liber Abaci (Livro do Cálculo), sobre Aritmética, publicado em 1202. Fibonacci, outro poeta, desavisado de tudo, ficou conhecido pela divulgação da “Sequência de Fibonacci” – sequência de números inteiros, começando normalmente por 0 e 1, na qual cada termo subsequente corresponde à soma dos dois anteriores – e pela sua participação na introdução dos algarismos arábicos na Europa. Os romanos – na Antiguidade –, isso antes do Livro sobre nada, do poeta Manoel de Barros (1916 – 2014) – não tinham um número para representar o nada. O zero não é importante para a contagem. É impossível contar o nada, uma vez que ele não existe. Assim é a poesia, também um nada, sem vínculo legal ou formal, que ocupa o espaço em branco do papel, no infinito entre o zero e o um, no nada muito além do traço marginal e maldito.

João Scortecci