Pesquisar

OS DEDOS VERDES DE TISTU E DRUON / MARIA MORTATTI

Para Arthur, pequeno grande leitor.

Começando pelo fim: Tistu era um anjo. E disso seus leitores já desconfiam desde o início da narrativa. João Batista foi o nome escolhido pelo padrinho e madrinha, mas o bebê protestou, chorando e, de repente, todos os estavam chamando de Tistu. Tinha cabelos loiros e crespos nas pontas, olhos azuis e faces rosadas de macias. Morava em Mirapólvora, na Casa-que-Brilha. Era filho do Sr. Papai, dono de uma fábrica de canhões, e da Sra. Mamãe, ambos muito ricos. Carolo era o criado, e Siá Amélia, a cozinheira da família. Tistu tinha um pônei de estimação, Ginástico, tinha aulas de ordem com Sr. Trovões, braço direito do Sr. Papai na fábrica, e aulas de jardinagem com o velho jardineiro e seu amigo, Sr. Bigode. Foi ele quem descobriu o polegar verde de Tistu que era invisível e realizava “proezas originais”, “fazendo crescer plantas e flores onde quer que colocasse seu polegar”. Assim ele semeou flores e plantas na cadeia e na favela, na vida da menina doente e nos canhões da fábrica do Sr. Papai, impedindo a guerra entre os Voulás e os Vaitimboras, que disputavam petróleo em um deserto. Corajoso que era, Tistu acabou revelando o segredo, tornou-se famoso na cidade e no mundo, o pai passou a “fabricar” flores e a cidade passou a se chamar Miraflores. Após a morte do Sr. Bigodes, Tistu, inconformado, tentou usar seu polegar para fazer uma longa escada de flores e buscar seu amigo no céu, mas “(...) descobriu que a morte é o único mal contra o qual as flores nada podem”. E "desapareceu para sempre naquele mundo invisível, do qual até as pessoas que escrevem histórias não sabem coisa alguma.” Roendo a relva no prado, Ginástico traçou com botões de ouro: “Tistu era um anjo”.

O menino-anjo foi criado por Maurice Druon (23.04.1918 – 14.04.2009), escritor e decano da Academia Francesa. De ascendência russa por parte do pai e brasileira por parte do bisavô, Odorico Mendes (1799 – 1864) – escritor, jornalista e político maranhense e tradutor de Homero e Virgilio –, Druon ingressou nas forças da Resistência, durante a Segunda Guerra Mundial, e, em 1942 foi clandestinamente para Londres, para trabalhar nos serviços de informações da chamada "França Livre", junto do general francês Charles De Gaulle. Com seu tio, Joseph Kessel, Druon compôs o Chant des partisans, musicado pela russa Anna Marly, que se tornou hino dos movimentos da Resistência. Após a guerra, dedicou-se à carreira de escritor, com ensaios, peças de teatro e romances históricos de muito sucesso. Em 1948, ganhou o Prêmio Goncourt, com o romance As grandes famílias. Em 1966, aos 48 anos de idade, foi eleito para a Academia Francesa, recebeu muitas condecorações e prêmios pelo conjunto da obra e foi ministro da Cultura de 1973 a 1974. Entre 1955 e 1977, publicou os sete volumes da série Os Reis Malditos – sobre a monarquia francesa nos séculos XII e XIII – traduzida para mais de 30 idiomas e adaptada para a TV em 1972 e 2005, tendo inspirado o roteirista e escritor de ficção científica George R. R. Martin, em cuja série de livros se baseia a série de TV norte-americana Game of Thrones

Tistou les pouces verts (Tistu polegares verdes, em tradução literal) é sua única narrativa de ficção e a única destinada a público infantojuvenil, que tornou o autor mundialmente conhecido e o livro, um clássico da literatura para todas as idades. No Brasil, com o título O menino do dedo verde, foi publicado pela José Olympio, presumivelmente em 1964, com ilustrações de Marie Louise Nery e tradução pelo monge beneditino Dom Marcos Barbosa (1915 – 1997), membro da Academia Brasileira de Letras e também tradutor de O pequeno príncipe (1943), de Saint-Exupéry. Em linguagem poética e bem-humorada, a narrativa de Druon trata de questões de sua época e sempre atuais e universais, como uma mensagem de paz e esperança semeada pelos “dedos verdes” do protagonista e do autor, nas mentes e corações dos leitores crianças, jovens e adultos. Foi algo assim que uma amiga escreveu na dedicatória do exemplar com que me presenteou no Natal de 1978, desejando que eu transformasse em flor cada coisa que tocasse. Não sendo anja, não tive muito sucesso nessa missão, mas continuo ao menos espalhando a história de Druon. Hoje foi a vez de Arthur, pequeno grande leitor. A ele entreguei meu exemplar daquele livro, presente de dia de leiturança, com esta dedicatória: com a esperança que “um vento (...) carregue para um jardim ou um campo” as sementes que existem em toda parte e que, para germinarem e florescerem, aguardam serem tocadas pelo invisível dedo verde do adorável de Tistu e espalhadas por Arthur e todas as meninas e meninos, senhoras e senhores Bigode.  

Maria Mortatti – 11.08.2023/12.10.2023 

12 de outubro: Dia da Leitura. Dia da Criança. Dia de leiturança.