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BIENAL DO LIVRO: COBRA GIGANTE, PEDAÇOS DE MELÃO E LIVROS! / JOÃO SCORTECCI

Da Bienal Internacional do Livro de São Paulo de 1994, realizada no Parque do Ibirapuera, Pavilhão Ciccillo Matarazzo, participei uma única vez, a última, antes de o evento mudar de local. A Bienal do livro de São Paulo, acontecimento realizado a cada dois anos, nos anos pares, acontece desde 1970, pelos espaços do Ibirapuera, do Anhembi, Expo Center Norte, São Paulo Expo e agora, depois de 54 anos, novamente no Anhembi, reformado e ampliado. Em 1994, decidi participar pela primeira vez, de uma bienal do livro. A Scortecci Editora tinha, na época, 16 anos de funcionamento, e a oportunidade era, sem pensar muito, um ato de loucura. Comprei o espaço no último dia possível. Olhei a planta do evento – um labirinto – ou melhor, um caracol, obra do arquiteto Niemeyer, no coração do parque, com 40 mil m² de área e 250 m de extensão. “Uma cobra gigante?”, comentei. “Isso mesmo: o público entra pela boca da cobra e sai pelo rabo”. Foi o que me disseram. Risos. “Formato de cobra?”, quis saber, por curiosidade. “Isso. A ideia é simples: fazer com que o público caminhe, obrigatoriamente, passando por todos os estandes!” Foi o que um diretor da Câmara Brasileira do Livro, entidade promotora do evento, explicou-me. "Um curral!", pensei. Nas entranhas da planta, no meio do corpo da cobra gigante, num vão, embaixo da rampa de acesso ao piso superior, localizei um espaço livre, de 20 m². “Quero este!”, apontei com o dedo. Na verdade, era o último espaço disponível. Fiz o cheque. Fui embora feliz, radiante, mordendo as orelhas de alegria. "Eu estou na Bienal do Livro!", gritei. Era uma sexta-feira, final de tarde. No sábado, acordei matutando e pensando na loucura que havia feito. Pensei: dei o passo maior que as pernas. E o pior: comecei a desconfiar do espaço. No domingo, tive um pesadelo terrível: uma cobra gigante estava me comendo, vivo, pelos pés! A ficha, então, caiu: um espaço maravilhoso, no meio da cobra, dando sopa? Algo estranho. Certeza: caí numa roubada. Juro: pensei em cancelar a compra e depois pular no laguinho do Parque do Ibirapuera. Manchete: "Editor afoga-se no laguinho do Ibirapuera". Algo assim. Guardei a cisma e fui, então, à luta. De lá pra cá, já participamos de 15 edições da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e, ainda, tivemos uma participação no 1º Salão do Livro de São Paulo, em 1999, e outra, durante a pandemia da Covid-19, na 1ª Bienal Internacional Virtual do Livro, em 2020. Em 1994, no final do primeiro dia do evento, um sábado, tudo havia transcorrido maravilhosamente bem. Deixei o espaço feliz, radiante, pisando nos cascos, pronto para a maratona de dez dias de Bienal. No segundo dia, um domingo, fui um dos primeiros a chegar ao pavilhão do Ibirapuera. Passei pela cabeça da cobra – local onde estavam as grandes editoras – e mirei o meu destino: chegar até o vão livre, embaixo da marquise, da rampa de acesso ao piso superior, onde estaria, então, o estande da Scortecci. Estava lá. Contemplei, de longe, os livros perfilados nas estantes de madeira, num total, aproximadamente, de uns 300 títulos. Parei na entrada do estande e gritei: “Não! Não!” Alguém da segurança me aguardava, sentado numa bancada. “O que aconteceu aqui?”, perguntei. O segurança apontou para o mezanino e disse, calmamente: “Sabia que lá em cima funciona um restaurante self-service?”. “E eu com isso?”, protestei. Cenário: os livros da Scortecci estavam sujos – emporcalhados – com restos de comida. Alguém “varreu” e jogou a sujeira rampa abaixo, explicou-me o segurança. Na estante principal, central do estande, onde havia arrumado os lançamentos do ano, um troféu inesquecível: pedaços de melão. Fui reclamar e o que eu escutei, até, hoje, dói nas tripas: “A noite você precisa cobrir as estantes com os livros com um plástico!” Deveria? Escutei a "recomendação" de um diretor, de plantão. Isso, talvez, explique a fama que tenho, até hoje, depois de 30 anos de bienais, de reclamar, sempre, sistematicamente, de alguma coisa. Virou folclore! Respondo com o coração: "Não gosto de melão e tenho medo de cobra!".  

João Scortecci