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FERNANDA LOPES DE ALMEIDA, UMA CLARA LUZ NA LITERATURA INFANTIL / MARIA MORTATTI

Clara Luz, a fadinha transgressora, Soprinho, que torna as pessoas desejosas de fazer coisas, e Glorinha, a menina perguntadeira, foram as primeiras personagens que conheci dos clássicos da literatura para crianças criados pela escritora e psicóloga Fernanda Lopes de Almeida ([18.08].1927 – 27.12.2023). Pertencia a uma “família das letras”: era neta da escritora Julia Lopes de Almeida e do poeta e jornalista Filinto de Almeida, ambos entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras, e sobrinha-neta da escritora e educadora Adelina Lopes Vieira e presumivelmente parente da poeta Presciliana Duarte de Almeida, membro- fundadora da Academia Paulista de Letras, onde ocupou cadeira n. 8, cuja Patrona é Barbara Heliodora, sua bisavó. Como conta em entrevista recente para a revista Aletria, cresceu na casa da família no Rio de Janeiro e, mesmo antes de ser alfabetizada, gostava de ouvir histórias e contos de fadas clássicos que a mãe contava e a leitura já se tornara hábito. Por volta dos oito anos de idade começou a escrever histórias e poemas, mas não foi como sua avó, “que a isso se dedicou a vida inteira”. Formou-se em Psicologia, exerceu a profissão por 25 anos trabalhando com crianças e escrevia contos e crônicas para adultos – com influências da obra literária da avó Júlia –, que foram  publicados em jornais e revistas. Mais tarde, quando começou a escrever para crianças, a principal influência foi Monteiro Lobato, mas logo se libertou pois “já estava muito mais consciente do que queria dizer e como dizê-lo”.

Iniciou a carreira literária para crianças em 1970, integrando uma geração de novos escritores que revolucionaram a literatura infantil e juvenil – como Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo – apresentando novos temas e formas de escrever para o público infantil, com textos e ilustrações sensíveis e poéticos, com objetivo de divertir e propiciar leitura prazerosa, sem preocupação de ensinar. Publicou mais de duas dezenas de livros nas décadas seguintes, com muitas edições e milhares de leitores até os dias atuais e que se tornaram clássicos da literatura infantil.

Entre os que me marcaram, estão: os dois livros de estreia da autora no gênero, A fada que tinha ideias – ilustrações de Edu –, adaptado para peça teatral em 1982, que recebeu Troféu Mambembe pelo Melhor Texto de Teatro Infantil, e Soprinho – ilustrações de Odilon Moraes –, que recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil – 1971, da Câmara Brasileira do Livro e integra o acervo permanente da Biblioteca Internacional para a Juventude; e A curiosidade premiada – ilustrações de Alcy Linhares, que recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte em 1978.

Clara Luz, Soprinho e Glorinha também fizeram parte de minhas aulas na educação básica e na universidade. Com eles e as professoras de horizontologia e D. Domingas, aprendemos que, quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda; que podemos ver tudo de forma diferente e encantada, quando nos deixamos levar pelo sopro da imaginação; e que, se para certos adultos prêmio só existe quando se pega nele, para as crianças – e adultos também – a curiosidade é premiada com o autoconhecimento e o conhecimento do mundo. 

Não tenho esses livros em mãos. Levei-os para ler com meu neto, deliciamo-nos com a leitura e ficaram na biblioteca dele. Mas são histórias presentes até hoje em minha memória, clássicos que independem do tempo e da faixa etária. Uma clara luz e um duradouro sopro de renovação na literatura para crianças – e adultos também. Basta senti-los. Assim como disse a longeva autora em entrevista para a revista Crescer: “Nunca penso em faixa etária exata, pois as crianças são tão diferentes umas das outras. E acho, como muitos acham, que o bom livro infantil interessa também ao adulto. ... o que faz um livro ser realmente bom? Não se sabe, ou melhor, não se traduz em palavras. Sente-se”.

Maria Mortatti – 13.05.2025