Fernando era o nome dele. Tinha 18 anos de idade e era a paixão desbragada da menina poeta, olhos grandes, 16 anos de idade. Quem me ligou na editora foi sua mãe, indicação de uma professora de Letras, autora da Scortecci. Disse-me: “Quero publicar o livro de poesia da minha filha!”. Marcamos, então, uma data para reunião na editora. O livro estava datilografado em papel sulfite e tinha cerca de 60 páginas. Um poema por página, sumário e dedicatória. Título do livro: “Fernando, uma paixão!”. Comecei, então, a folheá-lo, batendo olhos, numa leitura dinâmica. Dedicatória: “Para o Fernando, amor da minha vida”. Li alguns poemas. Parei. Todos contavam a história do amor da poeta pelo príncipe encantado Fernando. Um diário. Olhei para a mãe e ela – adivinhando o meu incômodo – declarou: "Scortecci, preciso publicar esse livro. Essa menina – olhou para a filha sentada ao seu lado – está me deixando maluca. Já infernizou a vida do pai. Chora pelos cantos da casa, não come, não dorme e fala que vai cortar os pulsos”. A jovem poeta balançou a cabeça validando a história. Risos. "Eu quero!”, exclamou, batendo os pés no chão. Nos poemas do livro, eram relembrados o dia em que a poeta conheceu o Fernando, o primeiro encontro dos dois, a paquera, o primeiro olhar, a troca de bilhetes de amor, tardes no cinema e no shopping, o primeiro abraço, os primeiros beijos, quando escondidos viajaram para Ubatuba, e o dia em que ficaram juntos, fizeram amor e juraram amor eterno. Aceitei. Propus uma edição de 100 exemplares, tiragem mínima. A poeta me olhou e sorriu, radiante. Fechamos o contrato e começamos a trabalhar na edição do livro: digitação, diagramação e arte de capa. A poeta queria lançá-lo no mês de junho, na festa junina da sua escola. Disse-lhe, então: “Temos pouco tempo! Vamos precisar correr e seguir um cronograma rígido. Anotei as datas num papel. A poeta seguiu tudo à risca. No dia da liberação dos arquivos para impressão, perguntei-lhe: “E o Fernando?”. Ela me olhou e disse, sorrindo: “É surpresa!”. Estava eufórica. Gelei. O livro entrou na gráfica no início do mês de junho. Dez dias depois – prazo normal do serviço gráfico – o livro ficou pronto. Liguei para lhe dar a boa nova. A poeta não estava em casa. Deixei recado. Não retornou. Alguns dias depois liguei de novo, para falar diretamente com a sua mãe. Ela atendeu: “O livro 'Fernando, uma paixão’ está pronto”. Silêncio. Agradeceu e desligou. Foi seca, formal. Na manhã do dia seguinte apareceu de surpresa na editora, sozinha. Disse-me: “Sr. Scortecci, poderia, por favor, destruir todos os exemplares?”. “O que aconteceu?”, quis saber. Contou-me, então: “O Fernando terminou o namoro e trocou minha filha pela sua melhor amiga”. Silêncio. Pagou-me pelo serviço e foi embora. Esperei um mês antes de destruir os livros. Poderia haver um retorno, pensei. Mas nada aconteceu. Então, guilhotinei-os. Nunca mais soube da poeta e seus versos de amor. Não conheci o seu Fernando. Hoje, quando vejo um livro com dedicatória para um Fernando, o coração bate forte. Coisas de poeta. Depois passa e dói.
João Scortecci