Pesquisar

NÃO ACHO JUSTO SENTIR DOR / JOÃO SCORTECCI

Vez por outra recebo pedido de autor solicitando avaliação literária sobre o seu trabalho. Alguns desconhecidos. Pergunto, sempre: “Livro de poesia?”. Confesso: gosto do gênero, caminhos em que me sinto confortável. Recuso prosa. Não é a minha praia. Não tenho o conhecimento profissional para tanto.  Recomendo, então, procurar ajuda de profissional especializado. O mercado oferece boas opções. Quando o autor não conhece alguém para fazer o serviço e pede ajuda, eu recomendo. No ano de 2022, no início da pandemia de Covid-19, recebi uma solicitação de leitura crítica para um romance com mais de 400 páginas. Autor desconhecido. Procurei no cadastro da editora e não o encontrei. Pesquisei seu nome no Google, sem sucesso. Mistério. No corpo do seu e-mail uma ordem expressa: “Quero que você seja sincero!”. Fiquei surpreso, confesso. Como não poderia ser?, pensei. Respondi, então, educadamente: “Não sou a pessoa indicada para o serviço. Posso indicar ajuda profissional.” Algo assim. Enviei. No mesmo dia – algumas horas depois – veio uma resposta: “Não acho justo pagar por uma leitura crítica. O serviço deveria ser grátis, espontâneo e honesto!”. No parágrafo abaixo escreveu, ainda: “Vou procurar alguém com mais sensibilidade que você!”. Pensei, de pronto, mandá-lo para a PQP e mandar enfiar o livro no caneco. Respirei fundo. Decidi perguntar qual era a sua profissão. Ele respondeu, logo em seguida: “Eu sou cirurgião dentista!”. Antes de deletá-lo do meu mundo, escrevi uma derradeira resposta: “Não acho justo sentir dor. Mas acontece!”. Algo assim. Não enviei o e-mail. O danado fico girando na saída da caixa do Outlook. Ficou lá, espontaneamente. Depois travou e deu erro. Então o apaguei, gratuitamente. Fechei a boca e liguei para minha dentista. Descobri que estava com dor de dente e a gengiva inflamada. Acontece!

João Scortecci