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LIVRO EM SILÊNCIO E PONTUAL / JOÃO SCORTECCI

O convite foi impresso na Gráfica Scortecci. Dados: título do livro, nome do autor, data do lançamento, horário e local. Do lado esquerdo, a capa do livro e, embaixo da ilustração, os dados técnicos da obra: formato, assunto, número de páginas e ISBN. Convite padrão, nada diferente, apenas um detalhe estranho. No horário estava impresso: “19h30 – em ponto”. Quando vi o convite questionei: “Isso está certo?”. Responderam: “Exigência do autor”. Achei estranho, mesmo assim liberei o convite para impressão. O evento aconteceria no final do mês de maio, na cidade de Santo André/SP, no espaço de uma associação cultural mística. Não conhecia. Quando o autor veio retirar os convites, fez questão de me convidar para o lançamento e eu confirme presença: “Eu vou!”. Na época não existia ainda celular – e muito menos GPS. Usávamos com propriedade o Guia Quatro Rodas, peça obrigatória. Sai de Pinheiros às 17h, em ponto. Cheguei ao endereço 30 minutos antes do horário marcado. No local, apenas o autor. Cerimonioso, vestido com uma capa preta, anel e um bastão de madeira, mostrou-me o local do evento. Um salão. Chão de madeira, quadros de fotos de ilustres nas paredes, cortinas de veludo vermelhas, relógio de parede no canto e no centro, um candelabro girante no teto. Algumas lâmpadas estavam queimadas. O local parecia velho e sujo. No centro do salão, uma mesa retangular, com 24 cadeiras. À frente de cada cadeira, um exemplar da obra do autor, pratos de papelão, garfos e facas de plásticos. Nada mais. O autor mostrou o meu lugar e pediu, então, que eu sentasse. Sentei. Ele ocupou a cabeceira da mesa, no lado oposto à entrada e ficou em silêncio. Perguntei-lhe: “Você não vai vender o livro?”. “Não. Somos 24 pessoas”, explicou. Às 19h30, em ponto, as pessoas entraram na sala e tomaram os seus lugares. Tudo em silêncio. Nenhuma pessoa jovem. Apenas duas mulheres. Foram servidos sanduíche de pão com queijo e guaraná em copo de papel. As pessoas comeram o sanduíche, tomaram o guaraná e pontualmente, às 20h, se levantaram e foram embora, em silêncio. Um detalhe importante: os exemplares estavam autografados. Inclusive o meu. Permaneci sentado. O autor se levantou e me disse: “Boa noite!”. Foi o que fiz. Entrei no meu Uno Mille branco e voltei para a cidade de São Paulo. Foi assim – exatamente – como tudo aconteceu. O lançamento mais estranho e místico em 43 anos de editora.


João Scortecci