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A ESTREIA BRASILEIRA DE “O PATINHO FEIO”, DE H. C. ANDERSEN / MARIA MORTATTI

O patinho feio (Den grimme ælling), publicado na Dinamarca em 11.11.1843, figura entre os mais famosos contos do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (02.04.1805 – 04.08.1875), autor de mais de 150 textos desse gênero, além de canções e peças de teatro. Seus contos – nem todos originalmente escritos para crianças – são mundialmente conhecidos e traduzidos para mais de 125 idiomas, com inúmeras adaptações em livro, cinema, teatro, entre outros. A organização não governamental suíça International Board on Books for Young People (IBBY) concede, desde 1956, o Hans Christian Andersen Award (Prêmio Hans Christian Andersen), considerado o "Prêmio Nobel" da literatura infantojuvenil; e, em 1967, instituiu o Dia Internacional do Livro Infantil comemorado anualmente em 2 de abril, dia do nascimento de Andersen.

Nesse conto de características autobiográficas, narra-se a história de um patinho que, por ser diferente dos de seu bando, acreditava ser feio e se sentia excluído. Entristecido, decidiu fugir e, depois de passar por situações de medo e abandono, encontrou um bando de cisnes brancos numa lagoa. Vendo seu reflexo na água, descobriu que era também uma daquelas aves que admirava. 

O patinho feio teve sua primeira versão em português em 1915, no volume inaugural da coleção Bibliotheca Infantil, da Weisflog Irmãos (depois, Melhoramentos), criada e dirigida pelo professor e escritor didático paulista Arnaldo de Oliveira Barreto (1869 – 1925). Os objetivos da coleção eram, ao mesmo tempo: oferecer às crianças brasileiras recriações/adaptações das histórias de contos clássicos universais, considerados na época pouco adequados à psicologia infantil, pela linguagem, vocabulário e conteúdos amedrontadores, como os de irmãos Grimm e Charles Perrault; e criar um produto atraente para o público infantil e vendável, visando à ampliação do alcance da editora, que começava a se destacar na publicação de livros para a escola. Para isso, contribuíram também o formato pequeno dos livros, a capa dura e as ilustrações com quatro cores, que representaram uma revolução gráfica no mercado editorial brasileiro. As ilustrações foram feitas por Franz Richter (1872 – 1964), pintor, ilustrador e litógrafo checo radicado no Brasil, que trabalhou na Melhoramentos até 1940.

Entre os anos de 1915 e 1924, o professor Arnaldo de Oliveira Barreto recriou/adaptou 28 contos clássicos da literatura infantil universal. Após sua morte, em 1925, o educador e psicólogo Manoel Bergström Lourenço Filho (1897– 1970) assumiu a direção da Bibliotheca Infantil, recriando/adaptando tanto alguns contos anteriores quanto os demais incluídos na coleção, na qual, até o ano de 1957, foram publicados 100 títulos. A partir da segunda metade do século XX, com a intensa renovação na literatura infantil brasileira, proliferaram novos autores, livros, editoras, traduções/adaptações dos clássicos. Dos livros dessa coleção restaram poucos exemplares provavelmente nos arquivos da editora e em acervos públicos ou particulares. Em meu acervo há alguns volumes, hoje obras raras e importantes para pesquisas sobre história da literatura para crianças e jovens e do livro no Brasil, como a de Ana Maria Menin, que orientei e que recebeu o Hans Christian Andersen Award, em 2004.     

Inciativa pioneira e arrojada, a Bibliotheca Infantil, que, em 1915, abrigou a estreia brasileira de O patinho feio, contribuiu para a popularização dos contos clássicos da literatura infantil, para a inovação na produção editorial e gráfica e para a formação de leitores no Brasil.

Maria Mortatti