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JOHN DONNE: “NENHUM HOMEM É UMA ILHA” / MARIA MORTATTI

No man is an island” (“Nenhum homem é uma ilha”)  e  “the bell tolls for thee” (“o sino dobra por ti”): esses versos, escritos há 400 anos, estão entre os mais conhecidos do escritor inglês e clérigo anglicano John Donne (1572 – 31.03.1631), considerado o mais proeminente poeta metafísico de seu tempo e cuja obra inclui poesia amorosa, poemas religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sonetos, sátiras e sermões. 

Sua poesia e sua vida são marcadas pelo dualismo e pelas preocupações com o destino do homem e a redenção. Abandonou o catolicismo romano e se converteu ao anglicanismo, para evitar sofrer preconceito entre anglicanos e conseguir realizar seu sonho de sucesso e fama. Participou de expedições militares, fez importantes amizades literárias, casou-se às escondidas com Anne More, sobrinha de um Lord, foram descobertos, ele foi demitido do emprego e mandado para a prisão. Depois de liberto, pobre e com família cada vez mais numerosa, viveu às custas de amigos e patronos literários, foi ordenado ministro da Igreja Anglicana e se destacou como o maior orador sacro do país, tendo se tornado Deão da Catedral de Saint Paul. Alguns anos depois, sua esposa faleceu ao dar à luz um natimorto e vários de seus filhos faleceram também, provavelmente de doenças características da infância. Ele adoeceu e faleceu de câncer no estômago, com 59 anos de idade. Em sua homenagem foi erguido o monumento na Catedral de Saint Paul em Londres, um dos poucos que conseguiu sobreviver ao Grande Incêndio naquele cidade em 1666.

Sua obra se distingue pelo estilo metafísico e dramático, pela intensidade emocional e sonora e pela capacidade de sondar os paradoxos da fé, do amor humano e divino e da possibilidade de salvação, caracterizando a ambiguidade da busca de equilíbrio sempre instável entre corpo e espírito, entre amor físico e amor espiritual. Seus poemas de juventude são mordazes e irreverentes, incluindo sátiras com crítica social e poemas de amor e erotismo; nos últimos anos da vida, escreveu poemas religiosos e se destacou na oratória sacra com seus famosos sermões. Durante a vida, sua poesia, circulava em manuscrito e apenas entre alguns admiradores. Sua obra poética foi publicada dois anos após sua morte e, por cerca de 30 anos, teve sucessivas edições que exerceram influência sobre os poetas ingleses. Nos séculos seguintes, foi pouco lido e apreciado, mas, no final do século XIX, começou a ser redescoberto por leitores e escritores de vanguarda, e sua popularidade se consolidou nas décadas iniciais do século XX, atraindo o interesse de escritores do movimento modernista, quando o poeta estadunidense/inglês T.S. Eliot e o poeta irlandês W. B. Yeats, entre outros, descobriram na poesia de Donne a fusão entre razão e paixão.

Entre seus textos mais conhecidos, encontra-se “Meditation XVII” – de “Devotions upon emergent occasions” (“Devoções para ocasiões circunstanciais”), escrito em dezembro de 1623, inspirado em grave doença que o acometera. Depois, foi adaptado pelo autor para o poema “No man is an island”, cujos versos finais foram utilizados pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway como título de seu romance For whom the bell tolls (Por quem os sinos dobram), de 1940, em que foi inspirado filme homônimo de 1943, além de outras manifestações artísticas posteriores. Eis o célebre poema, que completa 400 anos e continua atual e necessário:  

No man is an island,/Entire of itself;/Every man is a piece of the continent,/A part of the main.//If a clod be washed away by the sea,/Europe is the less,/As well as if a promontory were:/As well as if a manor of thy friend's/Or of thine own were.//Any man's death diminishes me,/Because I am involved in mankind./And therefore never send to know for whom the bell tolls;/It tolls for thee. 

(Tradução livre: “Nenhum homem é uma ilha,/Inteira em si;/Cada homem é um pedaço do continente,/Uma parte do todo.// Se um torrão for levado pelo mar,/A Europa é menos,/Bem como se um promontório fosse:/Bem como se uma casa do teu amigo/Ou de tua própria fosse.// A morte de qualquer homem me diminui,/Porque eu estou envolvido na humanidade./E, portanto, nunca pergunte por quem o sino dobra;/Ele dobra por ti.”)

Maria Mortatti