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EU PASSARINHO, MÁRIO QUINTANA E O LIVRO “ESCUTE, EXPRESSE E FALE!” / JOÃO SCORTECCI

Lendo o livro Escute, expresse e fale! – Domine a comunicação e seja um líder poderoso (Rocco, 2023), dos amigos Mílton Jung e Leny Kyrillos, em coautoria com os comunicadores António Sacavém e Thomas Brieu, no capítulo “No virtual, atenção à palavra propriamente dita” (p. 269), encontrei uma citação do poeta de Alegrete, Rio Grande do Sul, Mário Quintana (1906 – 1994), que não conhecia e que ilustra, com propriedade, o texto da obra. “A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.” Em tempos de WhatsApp, a máxima anda fazendo estragos, alguns irreparáveis. Li a mensagem três vezes. Bebi água e aproveitei, fui ao banheiro. Não levei o celular. Tenho evitado fazer isso. Na volta reli, novamente, o imbróglio: longa, estranha e confusa. Na hora, confesso, tive saudade do telefone de fio e do papo olho no olho, quando sentávamos, inteiros, no banco da praça. Liguei de volta, mas a pessoa não atendeu. Escrevi: “Me liga, por favor. Não entendi a mensagem. Perdão!”. Meia hora depois, recebi um “OK” como resposta. No final do dia – tinha até esquecido – quando a dona da mensagem retornou a ligação, com mensagem de texto pelo WhatsApp. “Oi, tudo em paz? Olha, já resolvi, tá, muito obrigada!” E desligou. Rápido assim, sem mercurocromo. Foi aí que fiquei “cabreiro”. Fiquei nas nuvens, sem saber do que, de fato, tratava a sua estranha mensagem. No livro Escute, expresse e fale!, uma nota sobre o assunto: “Boa parte da troca de informações no cotidiano digital tem duas características que precisam ser examinadas: a primeira, é que o recurso verbal tem sido mais explorado do que o vocal e a segunda é que a comunicação sincrônica (simultânea) perdeu espaço para a comunicação assincrônica.” Não satisfeito, curioso que sou, até além da conta, até mesmo para validar o que aprendi de novo lendo o livro, liguei de volta – dessa vez pelo telefone fixo – e perguntei, na lata: “Poderia, por favor, me explicar a mensagem que você enviou?”. “Qual mensagem?”. “A mensagem de hoje cedo, pelo WhatsApp”. A moça – não a conheço pessoalmente –, da cidade gaúcha de Porto Alegre, autora de um livro de poesias publicado pela Scortecci Editora, respondeu: “Foi engano. Não era para você! Era para um amigo que trabalha com conserto de panelas de pressão!”. Depois desligou. Foi aí que reli a mensagem, fixando-me na parte em que ela dizia assim: “a danada não está pegando pressão, o que faço?” A comunicação escrita depende exclusivamente do valor da palavra; não há ênfase, entonação ou gestos para se fazer entender. É o preto no branco! Guardei a mensagem – depois apago, talvez – e procurei por Quintana, na estante, no “Eu passarinho”, ali na janela do dia, quase sol, cantando possivelmente um voo, de distâncias e horizontes. Gosto dos amigos que – pacientemente – explicam-me tudo, até com o silêncio, ou um olhar, com brevidade e sincronia poética.

João Scortecci