Pesquisar

O PARADOXO DE WORDSWORTH: “A CRIANÇA É O PAI DO HOMEM” / MARIA MORTATTI

The Child is the father of the Man” é o sétimo verso do poema “My heart leaps up” (“Meu coração salta”), de 1802, de William Wordsworth (07.04.1770 – 23.04.1850), um dos principais poetas românticos da Inglaterra, que, com a publicação de Lyrical Ballads (1798), em coatuoria com S. T. Coleridge (1772 – 1834), anunciou a Era Romântica na literatura inglesa. Após concluir estudos universitários, Wordsworth ampliou sua visão de vida simples no campo, quando, em viagem à Europa, visitou a França em 1791, tomou contato com as ideias revolucionárias do movimento republicano, tornou-se radical defensor da democracia e se apaixonou por Annette Vallon com quem teve uma filha. Depois, desiludido com as então novas ideias políticas e com as críticas desfavoráveis a seus poemas, retornou à Inglaterra e decidiu pôr em prática sua nova e revolucionária teoria poética: escrever sobre a natureza com linguagem coloquial simples e direta, em sintaxe de prosa, simplificando a poesia para aproximá-la dos leitores. Entre 1796 e 1808, criou suas melhores obras. É desse período a amizade e colaboração entre Wordsworth e Coleridge, com a publicação dos poemas reunidos em Lyrical ballads. Na segunda edição do livro, em 1800, Wordsworth aparece como único autor e incluiu o prefácio, que é conhecido como “manifesto” do romantismo inglês. Em 1802, casou-se com Mary Hutchison e tiveram vários filhos. O poeta planejou escrever um longo poema filosófico em três partes, a ser intitulado The Recluse, que ficou incompleto. Entre 1798 e 1799, escreveu um poema autobiográfico, ao qual nunca deu título, mas que é conhecido como "Poem to Coleridge", e foi planejado como apêndice da obra inconclusa. O poema foi publicado alguns meses após sua morte, com o título "The prelude" (1850), em que é narrada a vida espiritual do poeta, marcando o nascimento de um novo gênero de poesia, considerado por críticos sua obra-prima e coroação do romantismo inglês. Em 1843, consagrou-se como “Poeta Laureado" da Inglaterra, embora nessa época ele já não mais escrevesse. Apenas revisou e reorganizou seus poemas, publicou várias edições e recebeu convidados e amigos literários. Wordsworth morreu de um agravamento de pleurisia, com 80 anos de idade, em 23 de abril de 1850. 

O poema "My heart leaps up", de 1802, da fase mais importante da carreira de Wordsworth, integra sua obra Ode: intimations of immortality from recollections of early childhood (Ode: prenúncios de imortalidade e recordações da primeira infância), incluída em seu Poems in two volumes,  publicado em 1807. Esse brevíssimo poema é representativo da temática escolhida pelo poeta – a natureza e o ambiente rural inglês, o lugar do indivíduo no mundo e especialmente a memória da infância e a mortalidade: "My heart leaps up when I behold/A rainbow in the sky:/So was it when my life began;/So is it now I am a man;/So be it when I shall grow old,/Or let me die!/The Child is father of the Man;/And I could wish my days to be/Bound each to each by natural piety." ("Meu coração salta quando eu contemplo/Um arco-íris no céu:/Assim foi quando minha vida começou;/Assim é agora que sou um homem;/Assim seja quando eu envelhecer,/Ou deixe-me morrer!/A Criança é o pai do Homem;/E eu poderia desejar que meus dias fossem/Ligados cada um a cada um pela piedade natural." – Tradução livre) 

Em apenas uma estrofe de nove versos, tem-se também a sugestão da “crise existencial” do poeta, que, preservando sua “religião da Natureza”, buscou ampliá-la em bases mais amplas que a emoção, buscando a imortalidade do homem. Representa a vida de um “sublime egocêntrico”, o homem e o poeta Wordsworth sempre em busca de si. Orientando-se por princípios panteístas, platônicos ou cristãos, com influências de Shakespeare e Milton, adotou posições revolucionárias, depois se tornou conservador, converteu-se ao anglicanismo, consagrou-se como “Poeta Laureado” e marco inicial do romantismo inglês. Sua obra exerceu grande influência na literatura ocidental do século XIX e seguintes, com traduções em vários idiomas e extensa fortuna crítica. O “Poema do arco-íris”, como é conhecido, tornou-se famoso, prenunciando também uma concepção de infância emergente no século XIX inglês. Entre nós, certamente a “popularização” do poema se deve em grande parte ao escritor brasileiro Machado de Assis (1839 – 1908), que, no capítulo XI – “O menino é o pai do homem”, do monumental e paradoxal Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), sintetiza os principais traços da formação do narrador defunto com a metáfora da flor nascida do estrume, fundamentando seu sarcasmo na lógica do paradoxo de Wordsworth.

Maria Mortatti 

_____________

Como citar este texto: MORTATTI, Maria. O paradoxo de Wordsworth: “A criança é o pai do homem”. 2023. Disponível em: https://www.livroseautores.com.br/2023/04/o-paradoxo-de-wordsworth-crianca-e-o.html