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MARIE SKLODOWSKA CURIE: UMA IRRADIANTE MULHER / MARIA MORTATTI

A cientista polonesa, naturalizada francesa, Maria Sklodowska/Marie Sklodowska Curie (07.11.1867 – 04.07.1934) foi pioneira e exemplar nas muitas atividades que realizou em uma sociedade sexista e xenófoba. Ela e o marido, o físico francês Pierre Curie (15.05.1859 – 19.04.1906), descobriram os elementos químicos Rádio e Polônio – este assim denominado em homenagem à terra natal da cientista – e foi a primeira mulher laureada com o Prêmio Nobel, por duas vezes: o de Física, em 1903, compartilhado com o Pierre e Henri Becquerel; e o de Física, em 1911. Foi também a primeira mulher a se formar em Ciências na Universidade Sorbonne, na França; a primeira a obter o título de doutorado – com a tese defendida em 1903, em que descrevia detalhadamente seus esforços para compreender a origem da radioatividade; a primeira professora catedrática naquela universidade francesa; e a primeira mulher a ser sepultada por seus próprios méritos no Panteão de Homens Ilustres de Paris.

Filha de professor-cientista e de professora-diretora de escola, após ter considerado se dedicar à literatura, decidiu-se pelos estudos em física e química, motivo de sua partida para a França, uma vez que na Polônia, sob domínio russo na época, mulheres não podiam frequentar universidades. Destacou-se, ainda, pela dedicação à educação científica. Na França, além de professora na Sorbonne, lecionou em escola secundária e inovou no ensino de Física, por meio de perspectiva experimental, buscando despertar vocações científicas em crianças e mulheres. Em 1985, casou-se com Pierre Curie, por quem se apaixonou quando foi a ele apresentada por um cientista polonês em Paris. Casaram-se no civil, em cerimônia simples, ela vestida de azul-marinho, como o avental que usava no laboratório, e seguiram de bicicleta em viagem de lua de mel. Sobre Pierre, Marie escreveu: “ele dedicou sua vida ao sonho da ciência: ele sentia precisar de uma companheira que pudesse viver esse sonho com ele”. Tiveram duas filhas: Irène e Eve. Pierre morreu ao ser atropelado por uma charrete, quando atravessava a rua, num dia chuvoso. Depois da tragédia, Marie entrou em depressão, afastando-se temporariamente do laboratório onde trabalhavam juntos. No seu diário íntimo, iniciado dias depois do falecimento do marido e finalizado no ano seguinte, revela-se a faceta apaixonada da mulher que aparentava dureza, sem sorrisos nas poucas fotos disponíveis, possivelmente para enfrentar as proibições impostas às que ousavam lutar para conquistar seu lugar na sociedade, conforme o mérito de seus talentos. Durante a Primeira Guerra Mundial, prestou grandes serviços aos soldados, com suas ambulâncias radiológicas, conhecidas como "Petit curies". Com a filha Irène Joliot-Curie, que se tornou cientista e se casou com o também cientista Jean Joliot-Curie, Marie esteve no Brasil, em 1926, fazendo conferências e divulgando o uso da radiação no tratamento do câncer no Instituto do Radium de Belo Horizonte e na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Ela morreu em decorrência de anemia aplástica, com 66 anos de idade, causada provavelmente pela exposição sem proteção, durante décadas, a material radioativo com que trabalhava em suas pesquisas, numa época em que não suspeitava dos efeitos nocivos da radioatividade no organismo nem de uma das consequências diretas de sua descoberta, a energia nuclear e a bomba atômica. Foi enterrada ao lado do marido no cemitério de Sceaux e, em 1995, os restos mortais foram transferidos para o Panteão de Paris.

Uma das mais extraordinárias figuras da Física e da Química modernas, Marie Curie influenciou gerações de físcos e químicos, tendo deixado um legado científico fundamental e importantes documentos para a história da ciência. Além da tese, de cadernos de laboratório, de relatórios semanais na revista Comptes Rendus, da Academia Francesa de Ciências, de publicação de artigos em coautoria com o marido, relatando resultados das pesquisas, e dos diários, Marie publicou, em 1919, o livro Radiologia na guerra, com sua experiência como membro de comitês dedicados à causa polonesa, em 1923, a biografia de Pierre Curie, seguida de anotações de sua autobiografia, e escreveu o livro, Radioatividade, publicado em 1935 (póstumo). Todo o material que ela tocou, porém, permanece cuidadosamente guardado nos porões da Biblioteca Nacional da França, em caixas especiais com várias camadas de chumbo, por se tratar de material altamente radioativo. Também para evitar contaminação, o corpo de Marie foi enterrado em um sarcófago de chumbo com mais de 2 cm de espessura. Segundo os cientistas, deverão permanecer intocáveis por 1.500 anos, tempo necessário para a desintegração dos átomos de rádio. 

Conhecida mundialmente, foi homenageada com inúmeras honrarias e biografias, uma delas de autoria da filha Éve, em 1938, além de cinebiografias, como Radioactive, de 2019, direção de Mariane Satrapi, baseado no livro RadioactiveMarie & Pierre Curie: A tale of love and fallout, de Lauren Redniss. Madame Curie foi figura marcante para minha formação. Quando eu cursava o último ano do curso colegial, em 1970, e tive de decidir sobre a carreira a seguir, duas áreas me interessavam: Química – porque gostava da matéria e da professora, D. Terezinha Cury, que me apresentou Madame Curie; e Letras – porque gostava muito de ler literatura. Na dúvida, fiz a inscrição para exame vestibular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, onde há os dois cursos. Aprovada, acabei optando por Letras, mas continuo gostando de Química e Física e admirando essa irradiante mulher que contribuiu para iluminar novas descobertas e tornar o mundo um lugar melhor para todos. E com quem aprendi que "Nada na vida deve ser temido; apenas deve ser compreendido" e "(...) a ciência tem uma grande beleza. Um cientista em seu laboratório não é apenas um técnico: é também uma criança colocada diante de fenômenos naturais que o impressionam como um conto de fadas”.

Maria Mortatti – 07.11.2023