Tudo ou nada, na direção de Manoel de Barros, o poeta. Quero o nada e depois o tudo, sentar-me, indolente, e lá permanecer, por séculos. Isso basta, o bastante. Manoel de Barros (1916 – 2014) nasceu em Cuiabá, estado do Mato Grosso, e aos 13 anos de idade se mudou para Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul. Lá, ficou – quase – sempre. Escreveu o “Livro sobre nada”, de 1996, obra que eu gostaria de ter escrito. Belíssima! Falar sobre o nada, sempre me ocupou profundamente. Gosto da ternura do nada, inexistente, selvagem e mortal. No nada não há dor e nem medo. Somente solidão! No meu livro de poemas “Água e sal – Fragmentos de tempo algum”, de 1990, prefaciado pelo mineiro Fábio Lucas, poetei alguns poucos versos sobre o nada. Ficou, na época, a promessa de, um dia, cutucar novamente o assunto e, então, talvez, escrever. Ficou. Tenho até um provável título: “Nada de alguém”, quase isso. Manoel de Barros é absoluto. Escreveu: “Uso a palavra para compor meus silêncios.” "O nada do meu livro é nada mesmo.". Não o conheci pessoalmente. Uma pena! Trocamos assobios, passarinhos, bilhetes e livros. Nunca tempestades! Mais um dos descuidos literários, de tantos, em 50 anos. Perdi – não me conformo – os passarinhos de Quintana, a vida Severina, de João Cabral, e o “Poema sujo”, de Ferreira Gullar. Não adianta me justificar por nada – eu os perdi, e pronto. Os poetas são malvados: gostam de travessuras, piruetas e castigos. São serpentes! Morrem do nada – alguns, várias vezes –, não vão embora, não se despedem, nunca. Ficam nos azucrinando, nos marcando com palavras, bocas e cheiros. Os poetas são grudentos! Drummond – o anjo torto do céu – recusou o epíteto de “maior poeta vivo do Brasil”, em favor de Manoel de Barros. Grande Drummond! Manoel de Barros morreu no nada, aos 97 anos de idade, lendo, provavelmente “Poemas concebidos sem pecado”. Fica aqui – registrado – o meu desafio: quando publicar o livro “Nada de alguém”, será em sua homenagem, com dedicatória e nada. Na agenda, visitar Manoel de Barros, sentar-me, então, ao seu lado, no seu sofá de bronze. Manoel, licença! Posso? Eu venho de longe, do nada, estou atrasado. Perdoe-me.
João Scortecci